O avanço das políticas neoliberais e a sociedade de competição

Tiago Tristão Artero

 

Em que pese a necessidade de lutarmos pelos nossos direitos e manter as políticas públicas outrora conquistadas, desde o início do século XXI, a discussão filosófica a respeito da sociedade de competição na qual vivemos parece estar em segundo plano. É sabido que o avanço das ideias de extrema direita inserem-se de maneira mais voluptuosa no meio social, mesmo entre os indivíduos que mais sofrem em decorrência das mazelas geradas por tais ideias, privados de uma condição financeira que poderia garantir dignidade no atendimento às necessidades básicas de sobrevivência. Mesmo assim, no embate a essas ideias os valores de uma sociedade mais humanizada continuam arrefecidos, dando margem à continuidade de práticas sociais predatórias dos recursos naturais e do próprio ser humano.

As nações assassinadas e as culturas escravizadas (como citado por Bia Ferreira, na música Cota não é Esmola) sofrem continuamente em decorrência da busca pelo poder e da competição entre os indivíduos. Essa forma de relacionar-se reverbera nas relações entre nações, grupos, organizações, partidos políticos, classes sociais e entre os sujeitos que diariamente convivem entre si.

Diante dos atuais discursos de naturalização da meritocracia, o medo da miséria condiciona a obediência e a aceitação de formas de existência e de sobrevivência limitadoras. Isso ocorre em um mundo que possui condições de oferecer seus recursos de maneira suficiente no suprimento da necessidade de determinados padrões de qualidade de vida. Formas distintas de cultura são impedidas de serem implantadas ou mantidas por conta da subserviência necessária para atender, ao menos, às necessidades imediatas de sobrevivência, como alimentação e moradia. Esta subserviência se manifesta nas instituições como um todo, de maneira hierarquizada, como, por exemplo, no mercado de trabalho, nas escolas e associações. Meritocracia e hierarquia se articulam e se confundem em benefício da manutenção dos grupos detentores do poder.

Somado ao medo, o discurso da meritocracia agiganta a busca pelo sucesso de uma pessoa em razão do fracasso da outra. A assertiva mostra-se real, uma vez que postos de trabalho, vagas em instituições de ensino (como os institutos federais, colégios militares, universidades públicas e privadas e, até mesmo, em colégios particulares) e condecorações advindas de produtividade/eficiência decorrem não somente da excelência em realizar determinada atividade, mas, também, da competição e superação dos indivíduos que, em teoria, tiveram um desempenho inferior no trabalho, na escola e nos mais diversos locais nos quais os princípios da administração privada encontram guarida. As instituições, especialmente as de ensino, podem encabeçar a reflexão sobre, por exemplo, os benefícios (em direção a uma sociedade mais equânime) da expansão das vagas dos institutos federais e das universidades federais – locais reconhecidos pela qualidade do ensino e articulação deste com a pesquisa e extensão.

A implantação de formas de organização baseadas na cooperação e colaboração, e a decorrente percepção de estar integrado na coletividade, fica mais distante de materializar-se quando as políticas neoliberais avançam. Se por um lado houve conquistas sociais a partir da eleição para a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (que, diga-se de passagem, estas conquistas sofreram ataques a partir do Golpe de 2016), por outro, as bases da sociedade sempre se mantiveram alinhadas aos processos de competição, dos quais se alimenta o capital. Enquanto o sentido do trabalho (que se apresenta na sociedade capitalista) se mantém distante de práticas humanizadoras, as relações sociais potencialmente colaborativas hibernam diante do cenário de avanço das políticas neoliberais.

Dessa forma, orientações como as contidas no documento do Banco Mundial, de 2017, “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” sobre os gastos e condução das políticas públicas no Brasil decorrem da negligência em rever as bases que regem a organização social. O documento traz sugestões como, por exemplo, o aumento do tempo de aposentadoria, a redução dos salários dos servidores públicos, o corte de gastos em serviços públicos básicos (como educação, saúde e segurança), a contratação de empresas privadas para desempenhar serviços na área da educação e o ataque aos professores e professoras que atuam no serviço público. O documento, amplamente aceito a partir da gestão do presidente Michel Temer, busca atacar o papel do estado em relação aos mecanismos garantidores de uma sociedade mais justa.

A hierarquia existente entre determinadas profissões, áreas do saber, classes sociais e nos mais diversos setores da sociedade indica que o status quo da organização social pouco se altera quando se considera a naturalização dos processos competitivos e as mazelas decorrentes destes processos. Formas alternativas de práticas sociais existentes em determinados grupos de pequenos produtores rurais e entre comunidades que procuram vivenciar outras formas de organização são prontamente marginalizados, dentre outros motivos, por encontrarem barreiras legais que dificultam sua implantação ou continuidade.

As sociedades disciplinares, conceituadas por Foucault, possuem suas instituições afeitas a manutenção da ordem vigente. Esta ordem, mesmo que sob outra ótica, é vista por Gramsci como dependente de mecanismos de coerção e de consenso que coexistem nesta sociedade e, em momentos de crise, acentua-se a coerção para que as bases de poder se mantenham e inviabilizem qualquer mudança significativa na sociedade, mesmo que para isso o método utilizado pelo estado seja a violência. Neste conjunto de ações voltadas à manutenção da ordem vigente as políticas neoliberais avançam em diversos setores sociais.

É válido refletirmos se a reforma da previdência, a Reforma do Ensino Médio, a nova BNCC e o avanço da mercantilização (da previdência, da saúde, da educação, da segurança, etc) cabem na sociedade que queremos. Sob a hipótese de que podemos agir de três maneiras distintas, aceitar, adaptar-nos ou resistir, cabe entendermos por quais caminhos isso pode se materializar, cientes das consequências da torrencial acentuação do viés neoliberal ora em andamento.

Dessa maneira, urge a reflexão sobre o impacto da competitividade na formação do psiquismo humano e, consequentemente, na definição das bases da sociedade. De posse deste questionamento, será possível alavancar um movimento contra hegemônico em direção a novas formas do ser humano de educar-se e relacionar-se, entendendo as mudanças que podem ser operadas a curto e a longo prazo.


 

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