O adeus a Quino

Gustavo Neves

“Uma das figuras mais ilustres do nosso tempo!” – É o que estampam os jornais de todo o mundo ao darem a notícia do falecimento do cartunista argentino Joaquim Salvador Lavado, o Quino. Ele se tornou muito popular por ser o criador de Mafalda. Encerrou sua vida, na última quarta-feira, dia 30, em Mendoza, sua cidade natal, aos 88 anos. Em certa ocasião, Quino teria dito algo como “O que importam os anos? O que realmente importa é ver que, no fim das contas a melhor idade da vida é estar vivo”. E foi como ele fez.

Quino defendeu seus ideais, suas crenças e aspirações, através das tiras da Mafalda, sua obra carregava a inocência infantil ao mesmo tempo em que transbordava um inconformismo profundamente lúcido (o mesmo que tanto nos faz falta na atualidade). Criada em 1963, Mafalda nos traria reflexões, comentários divertidos e perguntas incômodas, daquelas difíceis de responder.

Não podemos nos esquecer de que são elas, as tirinhas, uma porta na literatura. Lembro-me de que, ainda muito jovem, recém-alfabetizado, aguardava os domingos para que meu pai fosse comprar o jornal. Confesso que não lia por inteiro. Tinha especial interesse pelo caderno de “Carros”, “Esportes” e os “Cartuns”. Como são felizes, os cartuns! Nos transportam imediatamente para um outro mundo, são tão curtos, tão breves, bem ilustrados, (alguns até coloridos). São convidativos até hoje para os adultos e claro, são muito atraentes para as crianças! Seus desfechos impressionantes, a capacidade de surpreender, de romper em apenas alguns quadrinhos. Todos temos alguma ligação com os cartuns. Muitos dos amigos leitores riram com o mau humor de personagens como “Garfield”, foram tocados por dramas expostos em “Graúna”, e sim, respiraram fundo com os questionamentos de Mafalda. Assim são as tirinhas, nos chamam a atenção e nos prendem em reflexões.

Mesmo quem não tinha o hábito de acompanhar pelos jornais impressos já se deparou com alguma tirinha em uma prova escolar. As tirinhas nos ajudam a pensar, mas fazem isso com o mesmo carinho de uma professora, nos pegam pelas mãos e nos mostram o mundo! Mafalda se tornou presença comum nas provas da escola e até mesmo em grandes vestibulares. Seus amigos, Miguelito, Manolito, Susanita e Felipe, (crianças como ela), nunca estiveram limitados às temáticas do crescimento, seja nos desafios das relações com os pais ou no convívio da escola. Quino trouxe com uma sensibilidade ímpar, uma revisão do mundo contemporâneo, tratando com doçura e leveza singular, assuntos pouco comuns para as crianças, Direitos humanos, aquecimento global, instabilidade política, ditadura, emprego, precarização do trabalho, violência e desigualdade, fizeram parte do repertório. O próprio planeta Terra, representado pelo globo terrestre, serviria para os desabafos da menina.

Possuidor de honrarias como o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades e a Medalha da Ordem e Letras da França, Quino, filho de espanhóis, desenvolveu as aventuras de sua personagem mais conhecida, no período de 1964 até 1973. A influência dos traços veio de cartunistas americanos, especialmente do criador de Snoopy, Charles M. Shulz. Apesar de ter durado menos de uma década e ter sido encerrada há quase 50 anos, Mafalda conseguiu permanecer atual, mais atual do que nunca! Os questionamentos feitos pela garotinha são tão atemporais, que a criança permanece sendo publicada até hoje.

Do alto de seus 88 anos, as aparições públicas de Quino foram ficando cada vez mais raras, à medida que o glaucoma avançava e ia tirando-lhe a capacidade de enxergar. O argentino (quase cego), se aposentou ainda em 2009. Mas a potência de sua obra não tem fim. Uma comparação comum, (mas de pouco sentido) é a de que Quino seria a versão argentina de Maurício de Sousa. Embora a Turma da Mônica seja um estrondoso sucesso, a personagem tupiniquim pouco se deu aos temas políticos e polêmicos. Enquanto Mafalda nos divertia em seus quadrinhos infantis, recheados de questionamentos.

Originalmente, Mafalda teria sido concebida para uma propaganda da linha de produtos Mansfield, da metalúrgica Siam Di Tella. Esses produtos nem chegaram a ser comercializados e a peça publicitária não saiu do papel. A personagem, por outro lado, se tornaria uma celebridade internacional e ganharia o mundo por seus quadrinhos. Conta-se que seu autor teria oferecido sua tira ao jornal Clarín, que, por sua vez, a teria recusado por se tratar de peça publicitária. Quem primeiro publicou a menina Mafalda foi a revista Primera, sua única exigência foi a retirada das menções aos produtos anunciados. Sua primeira aparição seria em 29 de setembro de 1964, sendo publicada no ano seguinte pelo jornal El Mundo e, em 1968, no semanário Sette Dias Ilustrados.

Enfim, a verdade é que o argentino “Quino” nos presenteou com uma menina encantadora, questionadora, corajosa, que disse o que pensava e nos obrigava a refletir sobre as diversas mazelas e nossas desumanidades. Dentre tantas coisas ditas, me atrevo a encerrar essa nossa conversa com uma das frases mais pontuais da pequena notável que, para variar, permanece perfeitamente condizente com o nosso tempo. Em meio a este bombardeio de informações, notícias falsas, essa urgência pela imagem e obsessão por textos curtos, vale a reflexão: “Como sempre: o urgente não deixa tempo para o importante.”

Referência

QUINO, J.L. Toda Mafalda. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


Imagem de destaque: Ilustrações da personagem Mafalda em uma estação de metrô e Buenos Aires. Foto: Noemi Hernandez / Flickr

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