Novos desafios para a Educação e as Infâncias no contexto da Pandemia

Macaé Evaristo¹

Coletivo Geral Infâncias 

Vivemos tempos de muitas incertezas, de excepcionalidades. Minha geração, hoje com idades entre 50 e 60 anos, nunca enfrentou uma pandemia. Afinal, a última de que se tem notícia foi a gripe espanhola, que durou três anos, de janeiro de 1918 a dezembro de 1920. Entretanto, essa tragédia não povoou nossas mentes ao longo do século XX, pois preocupava-se muito mais com as guerras do que com pesquisas científicas. 

A pandemia da COVID-19 se anunciou de forma inesperada e abrupta. As primeiras informações enfocavam seus efeitos sobre a população mais idosa. Hoje, com mais de 4 mil mortes por dia no Brasil, assistimos aterrorizados à letalidade do novo coronavírus e suas variantes às camadas cada vez mais jovens da população, incluindo adolescentes saudáveis, crianças e até recém-nascidos! 

A necessidade do isolamento social trouxe como consequência a imediata paralisação das aulas presenciais nas escolas. Falava-se em semanas ou, no máximo, alguns meses de escolas fechadas. Entretanto, essa previsão não se confirmou, devido a uma proposital falta de articulação política do governo federal e, notadamente, do Ministério da Educação. O resultado foi a emergência de iniciativas de ensino remoto ou iniciativas que visaram somente a segurança alimentar dos estudantes mais vulneráveis, mas sem nenhuma proposta pedagógica consistente a ser debatida e viabilizada. 

O resultado perverso de tais iniciativas, que desconsideravam a profunda desigualdade social brasileira, desnudou a privação do acesso às novas tecnologias por grande parte da população escolar, levando-se em conta que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua – TIC) 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Em números totais, são 46 milhões de brasileiros sem acesso à rede mundial de computadores. Essa mesma pesquisa informa que, em 2017, 50% dos lares brasileiros não tinham sequer um computador. 

No calor do debate sobre a necessidade de prolongamento do isolamento social e sobre quais são os serviços essenciais que devem permanecer em funcionamento, a escola apareceu como uma grande incógnita. Em meio às análises, extremamente polarizadas, o ensino remoto se colocou como solução, ainda que provisória. Entretanto, essa alternativa dividiu opiniões, especialmente no que tange à Educação Infantil. 

A Educação Infantil é um desafio. O Brasil ainda está longe de suas metas, considerando-se que o prazo estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE) para a universalização da pré-escola expirou em 2016 e que, até 2024, no mínimo, 50% das crianças de 0 a 3 anos deverão estar matriculadas em creches. Segundo dados do MEC, de 2015 a 2019, houve aumento das matrículas em creche, mas em 2020 foi registrada uma queda: em 2019, 3,8 milhões de crianças estavam matriculadas; em 2020, foram 3,6 milhões. Como a data de corte é março, essa redução pode ser um impacto da pandemia, ainda que pequeno, dado que o processo pandêmico ainda estava na fase inicial.  

 Houve queda no número de matrículas em creches na rede privada de 2,7%, passando de 1,3 milhão de crianças matriculadas para pouco mais de 1,2 milhão. Na rede pública, as matrículas encolheram 0,5%, saindo de 2,456 milhões para 2,443 milhões. Esses números estão próximos de 35% da demanda de 0 a 3 anos. Já na pré-escola, que já deveria estar universalizada, o País atende a cerca de 92% da demanda. Os dados são do próprio Ministério da Educação. 

Diante deste quadro, algumas perguntas se impõem: não é urgente garantir o atendimento de 65% das crianças de 0 a 3 anos que estavam sem atendimento antes da pandemia? Não é urgente garantir que, pelo menos, 50% das crianças de até 3 anos estejam matriculadas em creches? Ou ainda, qual a urgência de garantir matrículas para 8% das crianças de 4 e 5 anos que estão fora da escola? Elas são cerca de 400 mil em todo o País. Mas como atendê-las? 

Considero que esse momento pode ser uma grande oportunidade para avançarmos em propostas pedagógicas que levem em conta as infâncias e as cidades. Além de considerarmos apenas o espaço escolar, será possível avançarmos em experiências como as dos parques naturalizados que podem ser criados em escolas, condomínios, praças, clubes e em terrenos abandonados, trazendo mais verde e locais de convívio para as cidades, permitindo que nossas crianças se desenvolvam em contato direto com ambientes naturais e menos subordinadas ao controle das telas?

A questão é que as nossas cidades se desenvolveram a partir de premissas que privilegiam o ambiente privado em detrimento dos espaços públicos; os carros em detrimento dos pedestres, reduzindo as áreas verdes. E muito pouco se preocupam com o bem-viver das crianças, idosos, pessoas com deficiência. 

Esta provocação tem o objetivo de alertar para a necessidade de deslocar o foco da discussão do fechamento da escola para a importância da Educação Infantil e de se pensar a cidade como experiência educativa.  São inegáveis os efeitos negativos do afastamento das crianças das escolas. Há prejuízos na perspectiva da alimentação, considerando especialmente as famílias mais vulneráveis – e no desenvolvimento intelectual, motor e psicológico. E tais impactos valem para todas as crianças, ou seja, aquelas que já estavam matriculadas e as que nunca tiveram acesso. 

Assim, é imprescindível que todos os esforços estejam empenhados para garantir que o acesso das crianças a oportunidades educativas aconteça o mais breve possível. Para tanto, é necessário discutir quais são as condicionantes. Experiências pelo mundo mostram que a vacinação em massa e a testagem, com o objetivo de isolar grupos contaminados, são fundamentais, mas não são as únicas ações para o retorno seguro às escolas. Garantir salas de aula ventiladas, com capacidade de distanciamento entre estudantes e educadores, uso de máscaras, número suficiente de pias para higienização das mãos são algumas das exigências das quais não é possível prescindir. Transporte público digno que garante distanciamento também é fundamental. 

Entretanto, é aconselhável nos desvencilhar da busca rápida de soluções para entender a Educação, dentro do contexto do País – o chamado Brasil profundo –, onde 39% das escolas sequer têm estrutura básica para que os alunos lavem as mãos com água e sabão, segundo Nota Técnica do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgada em 2020. De acordo com o Censo Escolar de 2018, 26% das escolas do País não contam com abastecimento público de água e 49% não têm rede de esgoto. 

O relatório da ONU (2020) sobre o tema pede a ação em quatro direções principais: Estabelecer uma forma segura de reabertura das escolas, somente após o controle da transmissão local da COVID-19; Garantir que as políticas econômicas priorizem a Educação no orçamento; Desenvolver iniciativas de Educação, para procurar alcançar aqueles que correm maior risco de serem deixados para trás devido às desigualdades digitais; Possibilitar o redesenho da Educação, em direção a sistemas progressistas que ofereçam um ensino de qualidade para todos, inclusivo, com currículos modernizados, adequados para o futuro. 

O não atendimento a essas condicionalidades, por motivos vários e que vão desde a falta de vontade política, o total descaso, até a não priorização da Educação, impõe a manutenção do fechamento das escolas. Portanto, é fundamental a derrubada da Emenda Constitucional 95, de 2016, que estabeleceu o teto dos gastos e inviabilizou qualquer investimento para a Educação (e para a Saúde) nos próximos anos.

E quando se fala em “investimentos”, é preciso dizer do acesso livre à internet e equipamentos para estudantes e professores, mas antes, sim, manter vínculos sociais e afetivos entre as próprias crianças e entre elas e os educadores, no caso da Educação Infantil, especialmente.

¹Neste mês de abril, nossa convidada para o texto na coluna “Infâncias em Pauta” é Macaé Evaristo. Professora da rede municipal de Belo Horizonte, Doutoranda pela UFMG e defensora de uma Cidade Educadora, Antirracista e do Bem Viver e Vereadora na cidade de Belo Horizonte. Neste texto a autora traz reflexões acerca da Educação e da Educação Infantil na Pandemia. Fica nosso convite à leitura e à reflexão acerca dos tempos de incertezas e angústias que nos cercam, mas sempre esperançosos por dias melhores e um País mais atento e cuidadoso com a Educação como um direito social! E-mail: ver.macaeevaristo@cmbh.mg.gov.br


Imagem de Destaque: Júlia Gonçalves

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