Nem essa Ordem, nem esse Progresso ​- exclusivo

Dalvit Greiner

Alguma coisa

Está fora da ordem

Fora da nova ordem

(Caetano Veloso)

73 dias de usurpação de um governo eleito pelo povo

Na Itália não existe a dúvida sobre o que é ser um Liberal. Resolveu-se a dúvida criando dois termos e, obviamente, dois conceitos que se parecem, mas não são iguais: Liberal e Liberista. Liberalismo diz-se da corrente filosófica nascida no Iluminismo, centrada na liberdade do indivíduo. Liberismo é sua irmã-gêmea nascida com o Capitalismo, centrada na liberdade da propriedade cujo corpo do indivíduo é considerada a primeira e indivisível. Política e Economia. Se nasceram juntas, siamesas, os italianos resolveram separa-las, didaticamente, para que possamos melhor entender as coisas do mundo. Assim, não é difícil entender por que Norberto Bobbio se dizia um liberal em política e um socialista em economia. Não há contradição: apenas, opção. Vivemos num mundo onde os dois conceitos e suas práticas vivem juntos, na maioria das vezes, um justificando o outro.

Não sou um profundo estudioso do Liberalismo. Confesso que ainda tenho muito o que aprender, mas com o pouco que sei, sempre defendi a ideia de que no Brasil não existem Liberais. Se muito, existiram e existem Liberistas, gente ligado à economia que só entende a Liberdade como um exercício para as trocas financeiras e monetárias, sequer econômicas no sentido lato do termo. E neste exercício apenas um ganha: eu. É a lógica da competição. E apenas isso. Não mais.

Quando a palavra começou a fazer parte do repertório dos brasileiros dizia-se da liberalidade do príncipe em dar; da liberdade de quem tinha algo e o disponibilizava a outrem. Daí passou-se aos direitos naturais pregados pelo jusnaturalismo, mas com ressalvas, pois nem todos tinham direitos aos direitos naturais. O direito à Liberdade: para os brancos. O direito à Propriedade: para os ricos. O direito à Igualdade: sim, você é igual a mim se for macho, branco, cristão e possuir muitos bens. A Boa Sociedade criada no século XIX dura até hoje. E sua mentalidade também.

Falando da liberdade de imprensa e opinião, direito tão caro aos liberais, o visconde de Cairu dizia que os direitos naturais são uma balela, pois não vivemos soltos na natureza, mas em sociedade. Os direitos do homem são aqueles criados pela sociedade em oposição aos direitos naturais que já nascem com o homem. Mais que um exercício de liberdade, para ele os direitos são um exercício de responsabilidade. Consequentemente, cada sociedade cria os seus direitos e deveres. Essa adequação do conceito à nossa cordialidade permitiu-nos um Liberalismo tacanho, conservador e autoritário que vivemos até hoje. Define-se quem é o homem de bem (ou, como queiram, de Mercedes Benz) e apenas ele tem direitos. O Liberal brasileiro tem horror ao exercício da Liberdade. Do outro. Afinal de contas, o outro só provoca desordem. Porque o outro não é igual a nós de Mercedes Benz.

Ainda lembrando o visconde de Cairu, o seu medo era o medo da elite de ontem, hoje e sempre. O medo da desordem, da anarquia, da Liberdade dos brutos, enfim, do demos, da Democracia. Assim como no século XIX criou-se um discurso demonizando o outro, o desordeiro e arruaceiro, apontando para os negros escravizados no Haiti como o pior exemplo gerado pelas ideias da Revolução Francesa. Hoje repete-se o mesmo discurso, ampliado pelos meios de comunicação de massa, pelos púlpitos eletrônicos, pelas redes sociais. E esse discurso liberal tem sido bastante eficiente: Macri, Temer, Trump para ficarmos apenas do lado de cá do oceano.

Os Liberais de hoje continuam os mesmos liberais de ontem, com os mesmos medos de ontem e com as mesmas estratégias de ontem. Violência e exploração. Nem o exemplo liberista do visconde de Mauá os retirou e retira do seu medo. Somos hoje o País do Passado. Voltamos ao passado para retornarmos a uma ordem liberal perdida com a ascenção do demos ao poder, demos este, portador de uma outra ordem. Não da desordem.

Para esses liberais que não sabem o que é o Liberalismo. Que não respeitam, e por isso não defendem, a Liberdade como motor da dignidade humana. Que não respeitam, e por isso não defendem, a Democracia como um valor de autoridade e não apenas um procedimento decisório. Que entendem a sociedade de forma verticalizada e autoritária, de fato é preciso colocar o mundo na sua ordem. Um mundo de Ordem e Progresso: uma ordem construída na bala, um progresso construído com exploração.

Voltamos duzentos anos. Essa nova ordem não me agrada.

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