Mythos e o Logos: messianismo político brasileiro e o abandono da razão

Leandro Lente de Andrade

Há cerca de 2.600 anos a humanidade iniciava um longo processo de transição em suas maneiras de compreensão do mundo. Talvez uma das grandes primeiras marcas do que viria a ser conhecido como o pensamento ocidental é inaugurada com Tales de Mileto. Além de seu notável conhecimento matemático – calculando a distância dos navios em alto-mar e a altura das pirâmides – e astronômico – prevendo eclipses e estipulando o calendário anual –, o filósofo, pela observação da natureza (physis), teria postulado um princípio (arkhé) que daria origem e sustentasse todas as coisas do cosmo. Lentamente o logos ganhava primazia nas explicações acerca do mundo natural, ao passo que o mythos dava-lhe lugar numa sociedade de profundas transformações sociais, econômicas, culturais etc.

É em torno desse resumo que costumo dedicar os primeiros meses das aulas de Filosofia, a nível de Ensino Médio, onde leciono. As transições entre características opostas são um marco importante para a compreensão de quem somos e o porquê de pensarmos como pensamos. Do narrativo ao argumentativo, do inquestionável ao questionável, do poético ao lógico, da vida nas aldeias ao cotidiano das Cidades-Estado, da tradição oral à escrita, do divino/místico ao humano. Longe de procurar realizar juízos de valor! Compreendo a importância do mito como base para dezenas de sociedades e indivíduos. Também entendo a crítica nietzschiana e, consequentemente, pós-moderna à razão. Meu ponto aqui é outro.

O problema acontece quando as coisas se mesclam e já não sabemos sobre quais “paradigmas” estão postas as ações humanas. Eminentemente a política é assunto racional. Não é à toa que foi seminalmente discutida nas ágoras gregas. Como forma de oferecer a antítese aos regimes aristocratas, teocratas ou “reis de justiça”, a democracia nasce na sociedade ocidental. A submissão do povo à hierarquia econômica, ou de acordo com os dons divinos, é rompida pelo poder que lhe é concedido. O poder no uso da palavra, ainda que muito restrito na antiguidade, é uma das rupturas diante das permanências e continuidades que assolavam o território litorâneo do nordeste do mediterrâneo. A democracia confere ao povo o direito do uso da palavra, racional, do logos propriamente dito.

Agora, à luz dessa breve colocação, permita-me fazer uma leitura filosófica do discurso patriota e messiânico que invade nossa democracia aos gritos de: “MITO!” Sim, no sentido metafórico e literal. Uma enxurrada de mentecaptos proclama sua posição em uníssono, monolítico, contínuo e repetitivo – tal qual se assemelha ao eco. Reivindicam o estabelecimento da irracionalidade do ódio, enquanto ignoram a estampada perversidade de seu líder. O mundo real, material, deixou de ser objeto da racionalidade humana. Há cegueira diante da injustiça, da pobreza e da invisibilidade do diferente. Platonicamente, idealizam o paraíso para o exército dos iguais, porém, esquecem que o “mito”, que tanto reivindicam, não existe no mundo sensível.

Não obstante, a noção de “Messias” político presente no imaginário dos que esbravejam seu patriotismo é, também, frágil em seu sentido histórico. Esquecem (ou, irracionalmente, preferem esquecer) dos problemas que toda liderança com tais características, elevada ao poder de modo democrático ou não, trouxe para suas respectivas nações. É abrindo mão da responsabilidade coletiva, própria das ações democráticas, que a “fabulação do regime perfeito” ganha corpo.

E assim caminhamos para as eleições. Alguns postulam sua tola fé no poder mítico de um único indivíduo, que irracionalmente propõe medidas simplistas, elitistas e discriminatórias, à medida que reduz à servidão o logos popular. Nós, porém, sejamos lúcidos!

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