Mais um não

Wojciech Andrzej Kulesza

Na queda de braço travada entre as humanidades e as ciências pela hegemonia no currículo, os defensores da prioridade destas últimas sempre alegaram sua indiscutível utilidade. Imbuídos do espírito iluminista e da positividade da ciência, atribuíam à formação científica uma superioridade em relação à humanista, tanto no plano individual, como no social. Quem conhece o mundo, esclarecido pelas ciências, pode nele melhor intervir, em proveito de si e da sociedade. O desdobramento dessa concepção educacional, forjada durante a Revolução Francesa no final do século XVIII, desvelou sua ideologia ao concretizar, na prática, uma educação popular para as massas, associada a uma formação superior para as elites. Essa solução curricular, ao acarretar a diferenciação das escolas de uns e de outros, nada mais fez do que atualizar o mecanismo de reprodução social desempenhado pela escola na sociedade industrial

A importância crescente das ciências, desenvolvida sob os olhos e as mãos dos trabalhadores, impôs que se fizesse uma distinção entre a formação científica e outra meramente técnica, exatamente para impedir que o controle da produção caísse nas mãos de subalternos. Desde então, a escola capitalista deixou de fornecer uma formação integral, humanista e científica, para se voltar cada vez mais para uma formação antenada com as demandas imediatas do mercado. Nesse processo, minimizaram-se as potencialidades de mobilidade social abertas pela escolarização, mantendo, e até mesmo ampliando, as desigualdades sociais. Como resultado, comprometeram-se primordialmente os jovens, que lutam por reverter esse quadro em busca de conquistar sua maioridade no mundo do trabalho. Por isso, o palco principal dessa luta é a escola média ou secundária, própria para esta idade da vida. Como depositários dos projetos de futuro da sociedade, suas ações encontram guarida em setores progressistas da sociedade, alimentando assim o necessário debate da questão pela sociedade.

Podemos acompanhar esse processo de diferenciação na história da educação brasileira, pelo menos, desde os célebres pareceres de Rui Barbosa sobre o ensino na época do Império. Todavia, ele vem se configurando mais claramente a partir do final do século passado, especialmente se voltarmos nossos olhos para nosso ensino médio, sempre enredado no dilema entre formação geral, propedêutica ao ensino superior ou formação profissional, estruturada em função do mercado de trabalho. Nesta situação, tanto a formação humanista como a científica propiciadas pelo ensino secundário têm sido consideradas deficientes, descontextualizadas da realidade do aluno e superficiais. Ainda assim, ajudaram a manter vivo o mito iluminista da superioridade das ciências, humanas e naturais, face a outras modalidades de conhecimento, especialmente do senso comum adquiridona experiência da vida e de onde deveria partir a construção do saber escolar.

A perversidade dessa diferenciação curricular está em favorecer a escolarização superior da parcela socioeconômica melhor aquinhoada da população, reservando a precária formação profissional para os menos afortunados. A reforma autoritária do ensino médio imposta pelo atual governo exacerbou essa distinção ao propor um itinerário exclusivamente profissional de formação após uma base comum extremamente precária no que se refere às ciências. Suprimiu-se simplesmente a dicotomia curricular, destinando um tipo de formação para alguns e outra para a maioria. Essa diferenciação, juntamente com a desvalorização do conhecimento do jovem em prol de uma ciência pretensamente neutra, apolítica e superior tem produzido uma representação perversa da escolarização no Brasil. Tanto aqueles bem-sucedidos na escola, galgando sem interrupção os degraus que levam à formação superior, como os que são obrigados a abandoná-la nos níveis inferiores, são levados a acreditar que a escolarização necessariamente melhora as pessoas. A quantidade de anos de escolarização progressiva é critério decisivo para se julgar a inteligência, a competência, o caráter, a bondade, a consciência, enfim, a humanidade de uma pessoa.

A premissa ideologicamente oculta que sustenta esse modo de ver as coisas é a de que na escola se daria a formação integral do ser humano, meta almejada por muitos educadores, mas longe da nossa realidade educacional. Por esse raciocínio é que se julga que um operário não tem capacidade de ser dirigente político ou que os analfabetos são mais propensos ao crime, resquício da prescrição iluminista de que “abrir uma escola, significa fechar uma cadeia”.Entretanto, como nossa formação se dá continuamente também em nossa casa, em nossa comunidade, no mundo do trabalho, em toda nossa vida social e não exclusivamente na escola, essa representação é constantemente negada, alimentando a luta para que a escola possa cumprir melhor o seu papel formativo e contribuir cabalmente, como escreveu Cesar Callegari, para “desenvolver valores como liberdade, solidariedade, respeito à diversidade, trabalho colaborativo, o apreço à democracia, à justiça e à paz”. O próximo dia 7 de outubro é um bom momento para nos manifestarmos com um sonoro NÃO a essa representação.

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