Lição das crianças: não ser ingênuo, mas não perder a inocência

Marcelo S. de Souza Ribeiro

 

Certa vez ouvi de um amigo gaúcho que não nos era mais permitido ser ingênuos no mundo, mas isso não significaria perder a inocência em nossos corações. Desde então tenho notado o quanto isto tem a ver com o jeito das crianças serem e a importância dos adultos estarem abertos para aprender com elas.  

A pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Virgínia Kastrup (1999; 2000), que vem pesquisando a temática“cognição e subjetividade”, toma a criança como fonte inspiradora para investigar os processos cognitivos. Dentre os múltiplos recortes de sua profícua obra é possível, mesmo que de modo simplório, dizer que a criança não tem uma cognição ou uma subjetividade inferior ao adulto ou menos evoluída. Ao contrário. Sob certos aspectos a criança apresenta sensibilidade, sagacidade e poder criativo superior ao modo dos adultos serem. Quem nunca ficou, por exemplo, estupefato com uma sacada da criança? Quem não já presenciou a criança descobrir um objeto rapidinho depois dos adultos gastarem um tempão a procurar? Ou mesmo quando os adultos levam a criança para um espaço qualquer, como um restaurante, e em questões de minutos ela já contatou outras crianças presentes no ambientes como se tivesse “antenas”? Essas são apenas situações que servem para exemplificar o refinamento das crianças em termos de sua percepção, atenção, raciocínio, etc.  

Tomando como base o pensamento bergsoniano sobre o tempo, Kastrup nos ajuda a compreender o jeito de ser da criança (a autora toma a criança como fonte inspiradora, mas seus trabalhos vão também em outras direções), quando sublinha que a experiência do tempo, enquanto tempo vivido, é mais marcante do que a experiência do tempo cronológico (mais característico da forma adulta de ser). É característico da experiência da criança viver o tempo a partir do que sente no “aqui e agora” e não em termos de uma organização sistemática temporal e distal.  

Importante observar que não há aqui um ovacionamento do tempo vivido em detrimento do tempo cronológico. Ambos são necessários para a vida e constituem o desenvolvimento humano. Entretanto, o que se quer marcar é a singularidade do jeito de ser da criança em termos de sua cognição e subjetividade, sem ser mais ou menos do que o adulto. Ademais, compreender essa singularidade possibilita tomar algumas lições desse jeito de ser da criança.  

Dentre essas possibilidades destaca-se a capacidade da criança manter sua inocência mesmo não sendo ingênua. “Não ser ingênua” significa que a criança tem funções cognitivas aguçadas e é capaz de perceber, sentir e avaliar situações muito mais do que o senso comum supõe, pelo menos é o que a Psicologia do Desenvolvimento vem apontando. 

Um dos desdobramentos de não ser ingênua e manter inocência tem a ver com a capacidade de resiliência das crianças em termos de enfrentamento de situações problemas, de superar mágoas, de não perder a capacidade de brincar e sorrir e manter a incrível capacidade de aprender (obviamente que estamos nos referindo a cenários típicos de desenvolvimento e que sob certas condições extremas a criança também sucumbe e expressa comprometimentos no desenvolvimento). 

Em tempos temerosos como estes que vivemos é importante aprender com as crianças a não ser ingênuo e manter a inocência, ou seja, estar atento aos acontecimentos, lutar pelos direitos sociais perdidos e ameaçados, pelo estado de direito e pela república em declínio, mas acima de tudo não perder a capacidade de sorrir para vida, guardar a inocência no coração! 

 


 

Referência 

KASTRUP, Virgínia. O Devir-Criança e a Cognição Contemporânea. Psicologia: Reflexão e Critica, 2000, 13(3), pp.373-382. 

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo. Uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Campinas, SP: Papirus, 1999.

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