Lápis “cor de pele”

Vanessa Soares de Souza*

 

Instigada a escrever sobre minhas memórias discentes na disciplina de História da Educação Brasileira, lápis e tintas me vieram à mente. Vivenciei, na Educação Infantil, uma experiência que era rotineira, diária muitas vezes, e que nunca saiu da minha memória, considero ser uma marca que a cultura escolar deixou em mim. Então vamos ao relato…

Lembro que nas aulas que tive na infância, os desenhos e pinturas eram presentes em praticamente todas as atividades que fazíamos. Pintávamos bonecos, paisagens, animais e pessoas, e eu amava, pois sempre gostei muito de desenhos e cores. No entanto, todas as vezes que eu tinha de desenhar a mim mesma, ou desenhar meus familiares e outras pessoas, eu tinha de usar um tal de “lápis cor de pele” – lápis rosado, claro, por vezes esbranquiçado – e me recordo que isso me intrigava, trazia um sentimento estranho e dúvidas, mas, como todos os meus coleguinhas usavam e a professora orientava, aquele era o “cor de pele”, e era com ele que deveríamos pintar rostos, corpos, e demais desenhos de pessoas. E eu com meus 5 ou 6 anos de idade acatava, mesmo que inquieta, e sem entender.

Certo dia, em uma atividade com uso de tintas guache, me sujei com as pinturas e, dentre essas, me pintei com uma tinta marrom, e nossa! Para minha surpresa amei essa sujeira, e não é que a cor marrom ficou igualzinha à minha cor da pele, praticamente a minha cor!? Na época eu não fazia ideia, mas a partir desse acontecimento, meu entendimento se transformou, e considero ter tido uma compreensão de cunho racial, pois neste dia encontrei a minha cor de pele na caixinha de giz de cera, nas canetinhas e nos lápis de cores, entre outros.

Assim me recordo, que em sala de aula, junto da minha turma e professora, realizamos uma dessas atividades, ao sermos solicitados que desenhássemos a nós mesmos, junto a nossa família. Não tive dúvidas, logo peguei o lápis de cor marrom para me desenhar, e desenhar a figura dos meus pais ao meu lado, e ao terminar fui surpreendida, sendo zombada, e motivo de chacota por todos os meus colegas de turma, pois me apontavam e diziam “Nossa! Ela é cor de árvore… É mesmo, ela é marrom”, em meio a gargalhadas. Com os olhos cheios de lágrimas, busquei a minha professora, com a esperança (ou até certeza) de que ela iria me ajudar, explicando à turma que eu não estava errada no que fiz. Sim, ela explicou, mas em alto bom som disse aos meus colegas que, “realmente ela é cor de árvore, pois usou o lápis de pintar troncos de árvores, ao invés do lápis cor de pele, o correto”, afirmando que eu havia me enganado. Esse momento para mim foi deprimente, pois ali senti, e tive certeza, que minha cor de pele não era compreendida por todos, com tristeza profunda, principalmente por minha professora, justamente alguém que eu tinha imensa admiração e respeito.

 E com tudo isso, não me senti à vontade para explicar a todos, ou até mesmo a minha professora, e resolvi seguir, mesmo que não compreendida, e por vezes zoada pelos colegas de turma, a continuar pintando com meu lápis marrom, em todas as atividades de pinturas, assim meus desenhos, passaram a ter muito sentido para mim, sendo eles cada vez mais felizes e bonitos. E aos passar para outras séries, para minha felicidade, fui encontrando alguns novos colegas de turma, que também usavam do lápis marrom como cor de pele para se representarem nas atividades, de forma que também encontrei professores que compreendiam nosso posicionamento, e  até mesmo incentivavam, e elogiavam, tanto os que usavam o tal famoso lápis “cor de pele” rosado, como os que usavam como eu o “cor de pele” marrom, para representar negros.

Desta forma, entendi que nos ambientes escolares existe uma falta de conhecimento ou iniciativa por parte de alguns professores diante de questões raciais. E vi que eu, como cidadã negra, posso e devo me posicionar diante de atos racistas,  preconceituosos, ou generalistas, pois orgulho, reconhecimento e representatividade racial, são essenciais a formação de todo indivíduo, seja ele qual for, principalmente em sua infância, tendo em vista que essa conscientização pode mudar toda uma trajetória  e perspectiva  de vida de pessoas no convívio social. Por fim, expresso aqui, que essa vivência me marcou demais, e desde então, se faz presente na minha lembrança, como incentivo e fundamento, sendo eu hoje, uma educadora em processo de formação. E por tal, atento para que essa questão, infelizmente, presente até hoje nos âmbitos escolares, seja pauta de discussões e pesquisas com o objetivo de mudança, a fim de alcançarmos uma pedagogia livre de exclusões raciais ou generalistas.


*Vanessa Soares de Souza é graduanda do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: nessasoares.rj@gmail.com

Imagem de destaque: moritz320/Pixabay

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