La Fontaine et moi

Zuleica Geissler Paz*

A manhã chuvosa de primavera em Clermont Ferrand guardava, em sua nebulosidade de poucos amigos, um momento muito especial.

Outro dia na aula de francês, a professora mencionou a fábula de Esopo, A cigarra e a formiga, reescrita por La Fontaine. Eu havia comentado com ela que, nos distantes anos do ginásio, no Brasil, a então professora dessa disciplina nos dera como tarefa contar a fábula em francês diante da turma.

Hoje, ela trouxe cópias da mesma e distribuiu entre as alunas dizendo: “essa é uma homenagem à nossa camarada”, referindo-se a mim.

A partir dessa fala, uma porta se abriu para o passado. E, enquanto ela fazia a leitura com seu francês impecável, iam surgindo das lembranças empoeiradas, a imagem de uma mocinha nervosa e trêmula, cuja tentativa de não esquecer as palavras que havia repetido numerosas vezes ao longo dos dias que antecederam à prova de contar a fábula em francês era quase vã.

Nem em seus mais ardorosos devaneios adolescentes, aquela menina de uniforme escolar, concebido também para alinhar pensamentos inocentes com a estupidez dos dias ditatoriais, poderia supor que viveria, mais de quatro décadas depois, esse instante em tudo tão original. E no país de La Fontaine, com toda a importância de sua contribuição para a literatura francesa.

À época, sua única preocupação era desvencilhar-se da tarefa francófona. Creio que nunca mais havia lido essa fábula desde então.

No entanto, as décadas que me afastam daquele dia em que um terremoto interior quase me impediu de arranhar adequadamente a garganta com os “RR”em toda a sua força e, ainda, lembrar de desaparecer com os “S” e outras letras (tão ao gosto dessa língua), me fez ver que não apenas houvera mudanças em mim, mas que essas transformações feitas pelo tempo e pelo que a vida nos impõe, tinham modificado a própria história, contada por tantos séculos.

Dependendo da visão de mundo, podemos nos identificar com um ou outro personagem da fábula. A situação da cigarra me despertava compaixão. Afinal, era da sua natureza cantar durante o verão. Como manter-se distante de sua essência? O mesmo ocorria com a formiga, eu acreditava.

Considerando o momento histórico em que Esopo criou essa fábula ou a versão de La Fontaine, o conceito de moral sofreu mudanças.

Assim, esses dois grupos de insetos “humanizados” representam a diferenciação no modo de produção da existência e de como as atividades são influenciadas e dirigidas pelos sistemas econômicos vigentes em cada período histórico.

Aquele que escolhe a arte como meio e modo de vida não conta, muitas vezes, com a mesma apreciação que outro em uma atividade considerada mais produtiva e, portanto, passível de acumular mais: síntese dos nossos tempos de capitalismo feroz.

As formigas liberais de Esopo, de La Fontaine e as da atualidade, acreditam serem merecedoras dos grãos acumulados para o inverno, pois se esforçaram muito pelo sucesso do formigueiro. Sendo assim, todo o mérito lhes é devido.

E quanto à arte e os artistas?

Não vem ao caso.


*Zuleica Geissler Paz é Licenciada em Pedagogia, especialista em Educação de Jovens e Adultos e professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Florianópolis/SC.

Contato:  geisslerpaz@yahoo.com.br

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