Em qual ciência queremos investir?

Wojciech Andrzej Kulesza*

Há exatamente 50 anos, o cientista e educador José Reis publicava o livro Educação é Investimento (Ibrasa, 1968), chamando a atenção para o valor econômico que a educação pode nos proporcionar. Na voga da então economia da educação, tendo a noção de capital humano como conceito teórico fundamental, Reis procurava simplesmente demonstrar cientificamente que não há nenhum prejuízo em se educar, muito menos pecuniário. Dirigindo-se claramente às autoridades educacionais, Reis queria combater a noção tradicional de que os gastos com educação constituíam uma despesa para o Estado, sendo assim contabilizados. Enquanto vias de transporte, redes de energia, fábricas etc. eram considerados realmente investimentos produtivos, a educação entrava no orçamento da União na rubrica dos custos do desenvolvimento, um gasto do qual não se deveria esperar nenhum retorno.

Ideologicamente, os economistas da ditadura se apropriaram dessas idéias econômicas para racionalizar a educação, isto é, instrumentalizá-la para servir ao desumano capital. Responsável pela disseminação da chamada onda tecnicista na educação, encabeçada pela lei 5692 de 1971, a vertente economicista erigiu a educação como condição necessária para o desenvolvimento do país. Era em função de seu valor econômico que a educação era pensada e planejada nos gabinetes ministeriais onde se determinava a política educacional do governo militar. Essa redução da educação unicamente ao seu papel econômico conformou a escola ao modelo de fábrica, impondo ao trabalho docente a mesma organização racional baseada na técnica, em aprimorar os métodos com vistas a cumprir com eficiência o que já estava determinado de antemão. Ao estabelecer externamente, e de forma autoritária, os fins da educação, subverteu-se o caráter intrinsicamente político da educação, impedindo-o de se manifestar em todos os momentos do processo educativo.

As escolas privadas, por sua vez, cujos representantes contribuíram decisivamente na definição dessa política educacional, aproveitaram para transformar, sem rebuços, a escola em empresa, trazendo para o campo educacional os conceitos, métodos e instrumentos típicos da ciência econômica, desenvolvidos para dar conta de variáveis como produção e consumo, oferta e procura. Hoje pode-se negociar na bolsa de valores ações de empresas, muitas atuando internacionalmente, cujo principal negócio é a educação: escolas, universidades, editoras e outras empresas produtores de materiais didáticos. Hoje no Brasil, a educação privada está submetida às leis do mercado como qualquer mercadoria. Na leitura que os empresários do ensino fizeram do livro de Reis a educação é um investimento como qualquer outro: a decisão sobre onde investir vai depender da taxa de lucro, do tempo de retorno, do grau de risco, etc. Como a educação é um dever do Estado, é fácil ver que essas condições para o investimento em educação pela iniciativa privada podem ser majoradas pelas políticas públicas, seja através de doações, subsídios, renúncias fiscais, financiamento de mensalidades etc.

Essa deturpação das intenções de Reis ao lançar seu livro nos vêm a propósito da carta conjunta encaminhada no último dia 2 de fevereiro à Presidência da República, “Orçamento de CT&I: O país não suporta novos contingenciamentos!”. Encabeçada pela SBPC, associação da qual José Reis foi um dos fundadores, e subscrita por inúmeras “entidades nacionais, representativas das comunidades científica, tecnológica e acadêmica e dos sistemas estaduais de ciência, tecnologia e inovação”, a carta denuncia o progressivo corte de recursos orçamentários destinados à CT&I pelo atual governo, quadro que poderá ser seriamente agravado caso esses recursos sejam contingenciados, conforme anunciado. Adverte a carta que “as consequências de um novo contingenciamento, se efetivado, serão catastróficas para toda a estrutura de pesquisa no país e também para os setores empresariais que apostam em inovação”. Como a carta é também dirigida à “população brasileira”, lembra-se que com o contingenciamento “a possibilidade de recuperação econômica do país fica ainda mais comprometida e a qualidade de vida da população brasileira, em particular na saúde pública, será certamente prejudicada”.

O que nos chamou a atenção e nos fez relembrar o livro de José Reis é o fecho dessa carta: “Ciência não é gasto, é investimento!” Se pensarmos no país, na sociedade brasileira como um todo, é claro que isso é verdadeiro: a ciência, tal como a educação, é sempre um bem comum a ser almejado, e o governo que não contribui para isso, como diz a carta “coloca o Brasil na contramão da história”. Ficamos pensando, entretanto se, tal como no caso da educação, não se pode fazer uma leitura perversa dessa palavra de ordeme, ao invés de estarmos reivindicando mais verbas para a uma política científica nacional, estejamos favorecendo a destinação desses recursos públicos à iniciativa privada. Ainda mais porque a própria carta, ao fazer a convocação para uma “atuação vigorosa e permanente” em torno desse pleito, inclui as entidades do setor empresarial. Será que a comunidade científica ainda acredita que haja ciência politicamente neutra?


*Universidade Federal da Paraíba
wakulesza@gmail.com

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