Instruir ou Educar? – exclusivo

Dalvit Greiner

Andam discutindo um novo Ensino Médio para a nossa meninada que vem do interior, do morro e das periferias onde a prioridade é uma educação para os músculos. Não uma educação no sentido Omni Corpus, defendido pelo professor Tarcísio Mauro, mas uma educação corporal bovina para treinar e certificar a moçada “com habilidades não certificadas [apontando que] o problema para a maioria da força de trabalho, em particular para a mais jovem, é a falta de habilidades” (A TRAVESSIA SOCIAL, 2016, p. 10).

O documento que embasa a proposta de governo de D. Miguel, o Temeroso, produzido pela Fundação Ulisses Guimarães na fase pré-golpe, afirma que falta habilidades aos nossos jovens. Quais habilidades e para quê/quem? Qual educação vai resolver essa falta de habilidades constatada pelo partido de Vossa Magnificência? Já sei. Está lá, escrito pouco acima da citação anterior: “são ofícios sofisticados e especializados, a partir de tradições familiares”. Quais ofícios nossas tradições familiares produzem? Entendo, então, que é uma educação para apertar porcas e parafusos, que Chaplin criticou a quase cem anos e que as famílias vem reproduzindo por falta de outras oportunidades. Uma educação que põe cada um em seu devido lugar, ou seja, filho de trabalhador braçal tem que, obrigatoriamente, tornar-se trabalhador braçal para repor a mão-de-obra.

Esqueceram que a Educação é um fim em si mesmo. Ela não serve, portanto, para nada daquilo que os homens fazem a não ser torná-los humanos. Ao ter um fim em si mesmo dizemos que a Educação é um meio para a felicidade humana. Eu diria o único meio. Não existe outra possibilidade de sermos felizes se não educarmos nosso corpo, nossos sentidos, nossos desejos. A Educação não tem nenhuma utilidade imediata. Ter um diploma não nos garante um bom emprego, mas a educação nos garante uma vida melhor. Ter um certificado não nos garante a comida, mas a educação nos dá conhecimento para melhorar nossas escolhas na natureza e na sociedade. A Educação cumpre o que há de mais sagrado em nossa existência: a possibilidade de criar e recriar. Inclusive um mundo novo.

Ora, mas isso é muito pouco, diriam alguns liberais utilitaristas de plantão imaginando que com a Educação poder-se-ia amealhar alguns milhões sem nenhum compromisso com a humanidade. Troquemos em miúdos: recentemente, em reunião de pais na escola dizia às mães que todo lugar é lugar de aprender. Aprende-se em casa com a família, no quintal com os parentes, na rua com os vizinhos, na cidade com os amigos, na natureza com a natureza. Não existe lugar no mundo que não se aprenda algo. Quando vamos à igreja aprendemos e cultivamos nossa fé; quando vamos à oficina de nossos pais ou acompanhamos nossas mães aprendemos nossos ofícios; quando nos juntamos aos amigos aprendemos nossas cantigas e festas. Como se vê todo lugar é lugar de aprendizado e poderíamos aqui listar todos os lugares do mundo, inclusive a Escola. 

Qual é a diferença que faz da Escola um lugar de disputa a ponto de desejarem a sua transformação em mercadoria? Sim, é isso mesmo. Não se quer transformar a Educação em mercadoria, querem transformar a Escola em mercadoria. Uma mercadoria que prepara trabalhadores. E por quê? Ensino você também pode obter em qualquer lugar. Porém, o ensino tem uma finalidade, um objetivo diferente da Educação: ensinam-te a trabalhar para que possas produzir algo; ensinam-te a andar pela rua para que não morras atropelado; ensinam-te a ser patriota para que possas defender teu país.

O ensino nos torna autômatos na sociedade e não autônomos. Com sua carga moralizante o ensino não transforma as pessoas porque é de sua finalidade reproduzir a sociedade impedindo as mudanças necessárias para a plenitude humana. Não nos torna humanos. Somos capazes de ensinar aos macacos e aos cães e eles aprendem. Não é da natureza dos cães andar apenas sobre as patas traseiras, mas se ensinados andam. Por isso dizemos que o cão é ensinado. O ensino sem Educação não liberta.  

Mas, quando nos dispomos a educar os que chegam estamos recriando a cada instante o humano em nós e nos outros. Quando agregamos à nossa capacidade de ensinar a nossa obrigação ética de educar estamos então reafirmando o humano. É este imperativo ético que não se negocia: não se compra nem se vende nos balcões ministeriais. A nossa condição de humanos que desejam ser livres está além das amarras do mercado e sua lógica utilitarista. Não podemos apenas ser homo habilis. Temos que ser também homo sapiens. Não podemos ser apenas ensinados. Temos que ser educados. E educação não se compra, ensino sim. 

A travessia social que a ponte para o futuro nos propõe é um retorno ao ler, escrever, contar do século XIX. É uma atualização da Fábula das Abelhas de Mandeville, do século XVIII, onde educar significaria a possibilidade de libertar as operárias do jugo do trabalho e da rainha. Assim, precisamos defender uma Educação Pública para todos e com qualidade, o que significa defender o homem e sua humanidade: sua autonomia e não seu automatismo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *