Histórias de professores(as) e da escola na Parahyba do Norte

Lays Regina B. M. M. dos Santos¹

Quem trabalhou como professor(a) no ano de 2020 se viu diante da necessidade de formar-se novamente para uma nova realidade no exercício da profissão docente, em virtude da pandemia da Covid-19 que mudou o mundo. O uso de novas tecnologias, a busca por acessórios eletrônicos e por cursos e tutoriais de como utilizar as diversas plataformas online que possibilitaram a continuidade do calendário escolar, em 2020, sem dúvida, fez parte da nova rotina de atribuições profissionais de professores e professoras do mundo inteiro. 

O(a) professor(a) precisou formar-se novamente. E, certamente, daqui há alguns anos, quando alguém estiver contando a história da educação, lembrará de dizer dos esforços dos(as) docentes para formarem-se, mais uma vez, de modo que a escola continuasse em movimento mesmo que de forma diferente. 

Na Paraíba, durante quase todo século XIX, os(as) professores(as) que atuaram na instrução primária também buscaram formas para formar-se professores(as), dando a ver a produção da profissão docente. 

A Escola Normal, instituição responsável pela formação docente no século XIX, só foi instalada na Paraíba “[…] oficial e solenemente em 1885” (ARAÚJO, 2010). No entanto, a primeira Lei provincial que criou escolas/cadeiras/aulas² primárias foi promulgada na Paraíba, em 1835. Embora, as fontes históricas indiquem a existência de escolas públicas primárias, desde 1821, na antiga Província da Parahyba do Norte. De tal modo, os(as) professores(as) da instrução primária formaram-se, pois, no exercício prático da profissão docente.

A institucionalização da escola primária no século XIX brasileiro foi impulsionada pela relação existente entre instrução, civilização e progresso social. Nos discursos da época, passar pela escola seria elemento imprescindível para afastar o povo do atraso e libertá-lo da ignorância, resultando em uma sociedade civilizada (SANTOS, 2016). A legislação da instrução pública e outros documentos emanados dos poderes oficiais eram elementos da edificação de uma rede de escolas que contribuiria para formação de hábitos e costumes que visavam a formação intelectual e moral dos paraibanos. Essa mesma legislação foi responsável por orientar o processo de profissionalização do magistério, indicando o concurso público e a nomeação interina como formas de professores(as) adentrarem ao magistério público. 

Os(as) docentes seriam avaliados pela capacidade intelectual das matérias que deveriam ministrar e pela conduta moral atestada pelo pároco ou juiz de paz da cidade. Sendo a conduta moral, imprescindível para a permanência no cargo e outras recomendações como afastamento e até demissão dos mestres. 

Para exemplificar a afirmativa, no ano de 1862, o professor Luiz Paulino de Figueredo teve sua permanência na cadeira que ocupava na povoação de Araçagi ameaçada por uma denúncia feita pelo pároco do povoado, acerca da conduta moral do professor, acusado de embriaguez. Embora o referido professor tenha se defendido da denúncia, alegando que seus alunos apresentavam certo adiantamento nas matérias de ler e escrever, ele foi punido e passou um mês sem dar aulas, por descumprir com uma prerrogativa que regulamentava a profissão docente.

Um outro caso referente à conduta moral envolveu desta vez, uma docente. A professora de primeiras letras da cidade de Areia. Maria do Rosário Brasileira e Mello foi denunciada ao comissário da instrução daquela cidade por falta de moralidade, por ter em sua companhia uma irmã que era mãe e solteira. Uma vez que as aulas primárias na sua maioria aconteciam na casa dos mestres, o espaço privado deveria ser um lugar que seguia as regras e preceitos sociais da época. 

Mesmo que o comissário da instrução tenha saído em defesa da professora, ao afirmar que: “[…] a aula da Professora é frequentada por vinte tantas meninas, sendo o maior nº filhas de pessôas pobres mas no meio dellas tambem se encontrão filhas de pessôas concideradas, e não me consta que tenhão algum pai de familia retirado suas filhas para evitarem que sejão testemunhas de imoralidades praticadas na dita aula” (PARAHYBA DO NORTE, 1866), a documentação analisada indicou que Maria do Rosário foi punida ao ser transferida para ocupar uma cadeira na Vila do Cuité no ano seguinte. 

O exercício da docência esteve o tempo todo associado à necessidade de manter uma ordem imbricada na defesa da instrução e civilização para uma grande parcela da população considerada incapaz de agir por conta própria. Desse modo, contar histórias sobre a atuação de professores e professoras e as estratégias que utilizaram ao longo do exercício da profissão é um caminho promissor para contar a história da educação brasileira e paraibana e a história da escola, como uma instituição, sem a qual a sociedade não saberia mais viver.  

 

1Professora auxiliar da Universidade de Pernambuco – UPE. Pesquisadora do GHENO/UFPB (Grupo de pesquisa em História da Educação no Nordeste oitocentista).

2No decorrer do texto, utilizaremos os termos escolas, cadeiras e aulas primárias indistintamente, quando nos referimos ao modelo de escola no século XIX.


Imagem de destaque: Adriaen Jansz von Ostade – O mestre-escola, 1662. – Coleção Museu do Louvre

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