"Flores, votos e balas”: um olhar sobre o movimento abolicionista brasileiro

Gustavo dos Santos

Elaine A. Teixeira Pereira

Não é todo dia que um livro como o que está em pauta chega em nossas mãos. Escrito pela professora e pesquisadora Ângela Alonso a partir de sua tese de livre docência para a Universidade de São Paulo (USP), Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88) merece certamente um convite à leitura. Primoroso não apenas no conteúdo, mas também na forma, o livro é leitura obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao estudo da (abolição da) escravidão no Brasil, falando de forma restrita, e aos que se propõem a pensar o Brasil, compreendendo-o historicamente na relação com o presente, dizendo de forma mais ampla.

Lançado em 2015 pela Companhia das Letras, Flores, votos e balas é fruto de um trabalho de pesquisa tecido na articulação entre sociologia e história. O livro de 529 páginas é dividido em nove capítulos. Conta ainda com uma Apresentação, escrita pela própria autora, além de uma parte final, que faz às vezes de conclusão, a qual é seguida de agradecimentos, notas e anexos – nos quais consta tabelas, mapas, bibliografia, informações sobre as fontes, índice remissivo, entre outros.

Ângela Alonso nos mostra, com sua escrita, que a estrutura narrativa precisa ser planejada: após usar inicialmente a forma canônica de escrita de uma tese, ela dedicou-se à reescrita do texto, buscando, entre as técnicas de se contar uma história, os elementos que lhe pareceram mais adequados. Aos pesquisadores em formação – como é o caso daqueles que escrevem este texto –, tal “revelação” é fundamental, uma vez que a escrita final, ou melhor, a que é publicizada, não necessariamente precisa ser aquela do cotidiano da pesquisa. Ao contrário, pode ser reinventada em sua forma, numa busca por seduzir e conduzir o leitor na história que se deseja contar. Grande desafio, ainda mais quando o leitor já sabe o final da história – como é o caso da narrada por Alonso.

Bastante importante para se entender o Brasil do Segundo Reinado (1840-1889), a obra busca reconstruir a trajetória do que a autora denomina como “grande”, “estruturada” e “douradora” rede de ativistas e manifestações públicas antiescravistas constituintes do movimento abolicionista brasileiro. Para ela, este pode ser considerado o primeiro movimento social da história do país, caracterizado sobretudo pela organização de associações e eventos, materializados em ações coletivas ocorridas em conjunturas políticas e espaços públicos.

As duas décadas de recorte temporal do livro são analisadas a partir da ação e reação dos integrantes e dos adversários do movimento abolicionista brasileiro, especialmente em três momentos. Numa instigante analogia com os “tempos de flores” (no espaço público), os “tempos de votos” (na esfera político-institucional) e os “tempos de balas” (na clandestinidade), Alonso vai conduzindo o leitor por uma dinâmica que se dá sempre na relação: entre as ações e reações dos adeptos do movimento ou do contra movimento, entre as ideias em torno da abolição e da escravidão, entre os acontecimentos políticos e econômicos do país e destes com o que se passava no estrangeiro. Tanto a escravidão quanto a abolição tiveram dimensão global. No caso do Brasil, foram mobilizadas experiências de outras nações, como França, Espanha, Estados Unidos e Inglaterra, adaptadas e ressignificadas de acordo com a realidade local. O leitor é conduzido, portanto, a compreender o repertório abolicionista numa perspectiva relacional, que toma os sujeitos no conflito e na ação.

No Brasil, a escravidão dividia posicionamentos. Por um lado, os escravistas afirmavam que o fim dela significaria, ante as circunstancias nacionais, a falência econômica e a anarquia política. Por outro, para os abolicionistas e suas associações antiescravistas, a abolição seria um ato de progresso, direito e compaixão. Essas duas vertentes, da reação e da mudança, conflitaram-se em púlpitos, jornais, panfletos e nas ruas. Nesse sentido, o fim da escravidão resultou de um confronto político e civil, onde houve intensa participação popular e o Poder Moderador agiu como mediador de forças.

As escolhas feitas no desenrolar do movimento foram, em sua maioria, estratégias e respostas aos alinhamentos então dominantes nas instituições políticas. Ou seja, não havia uma estruturação previamente planejada, mas ocorria um jogo de constantes ações e reações. Logo, as performances usadas e os repertórios mobilizados pelo movimento abolicionista foram eleitos a partir das necessidades políticas e dos atritos entre governo, escravistas e abolicionistas.

A obra de Alonso é, portanto, fundamental para o estudo e as reflexões sobre o processo de abolição da escravidão no Brasil, além de uma alternativa aos trabalhos que tendem a atribuir todo o peso à pressão externa ou a realeza imperial, uma vez que traz à pauta a sociedade civil mobilizada em uma teia de ativismo que congregava sujeitos dos mais variados extratos sociais, munidos de um repertório político construído a partir de experiências sociais também diversas, inclusive estrangeiras. Assim, a narrativa de Alonso possibilita perceber as conquistas e os retrocessos, a diversidade e as estratégias de ação para combate ou manutenção da escravidão no Brasil – ao longo das duas décadas por ela estudadas, em que movimento e contra movimento se desenrolaram em tempos de flores, de votos e de balas.


Aracaju/SE; Florianópolis/SC, dezembro de 2017

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