Feminicídio, um projeto educativo?

Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta nº199

Há muito se sabe que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Aqui se mata mais do que boa parte dos países que, hoje, estão em guerra. Mas a violência no Brasil não é sem rosto. Ela tem vítimas de faces bem definidas: ela tem a cara da população jovem, negra e pobre. Mas tem uma faceta de gênero também: no Brasil a taxa de assassinatos de mulheres é tão alta que o termo feminicídio já é usado corriqueiramente pelos especialistas sobre o assunto, ativistas sociais e a imprensa para nomear o fenômeno. Ou seja, a violência brasileira deve ser abordada em sua complexidade social, econômica, racial e, também, de gênero.

São assassinadas 12 mulheres todos os dias no Brasil, segundo dados de 2017. Boa parte das vezes, os assassinatos são levados a cabo por homens com quem tais mulheres mantêm ou mantiveram fortes relações de afeto – pais, irmãos, namorados, maridos. Em boa parte, também, as justificativas dadas pelos assassinos estão relacionadas ao sentimento de posse sobre as mulheres e, logo, sobre seus corpos e suas condutas.

A violência masculina contra as mulheres está profundamente arraigada em nossa sociedade e é, ainda hoje, autorizada socialmente. O provérbio de que “em briga entre marido e mulher não se mete a colher”, ainda é atual e corriqueiro. Não é preciso ir muito longe no tempo para vermos que, até recentemente, o próprio judiciário aceitava o argumento de “legítima defesa da honra” para absolver assassinos de mulheres.  A Lei Maria da Penha significou, neste sentido, um grande avanço na possibilidade de tipificação e punição dos crimes contra as mulheres, mas não deu conta de diminuí-los. Pelo contrário, eles estão aumentando. Ou seja, não é suficiente punir os jovens e adultos, é preciso educar as crianças e adolescentes de outra forma.

Se a violência contra as mulheres foi, e é, legitimada na nossa cultura, podemos pensá-la, então, também como um projeto educativo, já que ninguém nasce violento. A pergunta que podemos fazer é: de que maneira foram, e estão sendo, educados os meninos na nossa sociedade que os ensina, e autoriza, quando jovens e adultos, a investir contra os corpos das mulheres?

Sabemos que essa é uma questão de grande complexidade, pois envolve desde as representações que instituímos sobre as múltiplas formas de viver as masculinidades e as feminilidades em nossa sociedade, até as práticas educativas que, desde muito cedo, convoca as crianças a assumirem as características de gênero predominantes em nossa sociedade. Mas não podemos nos furtar em discutir a questão.

Certamente é necessário o fortalecimento das políticas públicas que visam a combater o feminicídio. E, infelizmente, também neste terreno, o golpe de 2016 trouxe com ele o retrocesso de algumas iniciativas neste sentido. Mas é preciso, também, pensar em políticas e propostas que sejam dirigidas às escolas, instituições nas quais, depois das famílias, as nossas crianças e adolescentes mais passam tempo.

Pesquisas têm demonstrado que a escola não foca explicitamente a questão da formação das masculinidades como uma questão educativa central. Esse é um debate que aparece também na mídia, sobretudo em relação à violência masculina juvenil. É preciso pensar, pois, em outro projeto educativo que forme masculinidades menos afeitas à violência e à guerra. E esse é um problema, sem dúvida, também para a escola básica e suas(seus) profissionais!

Imagem de destaque: Pedro Cabral

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Feminicídio, um projeto educativo?

Há muito se sabe que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Aqui se mata mais do que boa parte dos países que, hoje, estão em guerra. Mas a violência no Brasil não é sem rosto. Ela tem vítimas de faces bem definidas: ela tem a cara da população jovem, negra e pobre. Mas tem uma faceta de gênero também: no Brasil a taxa de assassinatos de mulheres é tão alta que o termo feminicídio já é usado corriqueiramente pelos especialistas sobre o assunto, ativistas sociais e a imprensa para nomear o fenômeno. Ou seja, a violência brasileira deve ser abordada em sua complexidade social, econômica, racial e, também, de gênero.

São assassinadas 12 mulheres todos os dias no Brasil, segundo dados de 2017. Boa parte das vezes, os assassinatos são levados a cabo por homens com quem tais mulheres mantêm ou mantiveram fortes relações de afeto – pais, irmãos, namorados, maridos. Em boa parte, também, as justificativas dadas pelos assassinos estão relacionadas ao sentimento de posse sobre as mulheres e, logo, sobre seus corpos e suas condutas.

A violência masculina contra as mulheres está profundamente arraigada em nossa sociedade e é, ainda hoje, autorizada socialmente. O provérbio de que “em briga entre marido e mulher não se mete a colher”, ainda é atual e corriqueiro. Não é preciso ir muito longe no tempo para vermos que, até recentemente, o próprio judiciário aceitava o argumento de “legítima defesa da honra” para absolver assassinos de mulheres.  A Lei Maria da Penha significou, neste sentido, um grande avanço na possibilidade de tipificação e punição dos crimes contra as mulheres, mas não deu conta de diminuí-los. Pelo contrário, eles estão aumentando. Ou seja, não é suficiente punir os jovens e adultos, é preciso educar as crianças e adolescentes de outra forma.

Se a violência contra as mulheres foi, e é, legitimada na nossa cultura, podemos pensá-la, então, também como um projeto educativo, já que ninguém nasce violento. A pergunta que podemos fazer é: de que maneira foram, e estão sendo, educados os meninos na nossa sociedade que os ensina, e autoriza, quando jovens e adultos, a investir contra os corpos das mulheres?

Sabemos que essa é uma questão de grande complexidade, pois envolve desde as representações que instituímos sobre as múltiplas formas de viver as masculinidades e as feminilidades em nossa sociedade, até as práticas educativas que, desde muito cedo, convoca as crianças a assumirem as características de gênero predominantes em nossa sociedade. Mas não podemos nos furtar em discutir a questão.

Certamente é necessário o fortalecimento das políticas públicas que visam a combater o feminicídio. E, infelizmente, também neste terreno, o golpe de 2016 trouxe com ele o retrocesso de algumas iniciativas neste sentido. Mas é preciso, também, pensar em políticas e propostas que sejam dirigidas às escolas, instituições nas quais, depois das famílias, as nossas crianças e adolescentes mais passam tempo.

Pesquisas têm demonstrado que a escola não foca explicitamente a questão da formação das masculinidades como uma questão educativa central. Esse é um debate que aparece também na mídia, sobretudo em relação à violência masculina juvenil. É preciso pensar, pois, em outro projeto educativo que forme masculinidades menos afeitas à violência e à guerra. E esse é um problema, sem dúvida, também para a escola básica e suas(seus) profissionais!

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