Falsas notícias, desinformação e incapacidade de pensar: democracia sob ataque

Alexandre Fernandez Vaz

Um dia é a foto de alguém em atitude francamente suspeita, no outro, lê-se que um artista ganhou milhões para um espetáculo comercial. Logo, divulga-se que se fulano for eleito, haverá novo confisco da poupança. Todas notícias falsas, fake news. A foto é uma montagem grosseira, a cantora precisa ser desmoralizada porque é lésbica, o candidato é pintado como um sinistro vilão. Estamos em campanha eleitoral, a época é de internet e o ritmo é o da aceleração distópica das redes sociais.

E pauta, a Lei Rouanet. É desconcertante que as menções ao intelectual Sérgio Paulo Rouanet não se relacionem, em maioria, a seu lúcido pensamento, mas à lei por ele proposta enquanto exercia o cargo de Ministro-chefe da Secretaria Nacional da Cultura no governo de Fernando Collor de Melo. Sem deixar de lamentar que o grande especialista em Filosofia do Iluminismo tenha seu nome associado à gestão tão deprimente quanto desastrosa como foi a do “Caçador de Marajás”, não se pode deixar de reconhecer a importância que as leis de incentivo à cultura têm para o país, como a que leva o seu nome à frente. Sim, para o pasmo daqueles que brandem a bandeira do estado mínimo, a lei foi proposta do Executivo de um governo que se pretendia ultraliberal, o mesmo que confiscou a poupança e levou à ruína quem ainda não havia sido combalido pelos governos anteriores, o de Sarney e os ditatoriais.

A gritaria do ressentimento coletivo tem afirmado, geralmente com base em casos isolados, a impertinência do apoio, via renúncia fiscal, a artistas que seriam “de esquerda”. Malgrado os possíveis equívocos na certificação de projetos e o discutível suporte a propostas com forte potencial comercial, é fato que quando não há um motor que venha do Estado, a cultura fica entregue aos ditames e critérios do mercado e, portanto, à indústria cultural. Não é casual que em países com tradições liberais, como a Alemanha e a França, haja por parte do Estado decisivo apoio à cultura. Sem isso, o caráter inovador, marca fundamental da arte autêntica, se encolhe; uma nação sem práticas culturais que desconstruam e reconstruam constantemente as representações sobre si, que sejam expressivas e digam o que o conceito não alcança, não será livre, tampouco poderá ser justa com os seus.

O problema encontra radicação também em outros âmbitos. O encontro entre desinformação, rancor e tendência de acreditar em teorias da conspiração levou, recentemente, à difusão de uma fantasia das mais mirabolantes. Segundo se pôde escutar nos últimos dias, se um dos atuais postulantes à Presidência da República vencer o pleito que se avizinha, as famílias brasileiras serão obrigadas a entregar crianças até cinco anos para a tutela estatal. Arrancados do convívio familiar, elas seriam doutrinadas de forma maciça pelos tutores comunistas. Supondo que isso realmente fosse proposto – o que exige um forte exercício de imaginação –, não haveria logística mínima para alcançar tal intento. Chega a ser irônico que se possa supor algo desta natureza justamente em um país com défice de vagas em creches e de moradia.

Se há quem acredite que um material didático que combate a homofobia seria capaz de induzir ou mesmo convencer crianças e jovens a se tornarem homossexuais – como se o processo fosse assim, o desejo sexual encontrando direção por disfarçada ou explícita imposição docente –, então não surpreende que qualquer disparate sobre a educação das crianças encontre solo fértil entre nós. É sinal de imaturidade política e social que o vocabulário e os temas da Guerra Fria ressurjam em contexto completamente diferentes daquele tempo. A fantasia paranoica segundo a qual comunistas canibalizavam crianças ressurge, desta vez para confirmar a perversidade insidiosa da grande conspiração contra a família brasileira.

É certo que ditaduras e governos totalitários costumam se ocupar das crianças e sua doutrinação, a exemplo de grupos como a Juventude Nazista ou do culto aos líderes de plantão. Lembro-me que um dos álbuns de figurinhas que as crianças maiores procuravam preencher, quando eu ainda frequentava a Educação Infantil, tinha como figura mais complexa a ser completada na primeira página, porque composta por vários cromos, a do General Emílio Garrastazu Médici. Mais ou menos como acontecia com o Joseph Stálin e Mao Tsé-Tung.

Não só as crianças são, no entanto, alvo da subtração do pensamento. Stálin virou nome de uma grande avenida em Berlim Oriental após a Guerra e, por ocasião de sua morte, instalou-se nela uma enorme estátua do homicida. Ao virem a público seus crimes, o Bulevar teve sua denominação novamente, e de forma repentina, alterada. Quanto ao bronze do monumento, uma vez refundido, foi material para as placas de identificação dos animais do Zoológico.

Tudo isso está completamente fora do horizonte de expectativas tanto da Socialdemocracia quanto do Socialismo Democrático. A crítica e a oposição aos regimes de exceção, mesmo que tornados regra – ou principalmente por isso –, é obrigação daqueles que lutam pela democracia. Não se pode transigir.

Milan Kundera certa vez escreveu, ao observar os pequenos uniformizados e perfilados à espera do preposto soviético na antiga República Tchecoslováquia, que as crianças seriam, de fato, o futuro, não porque cresceriam e seriam protagonistas do mundo, mas porque toda a humanidade se infantilizaria.

Eis do que não precisamos: de totalitarismo, de ditadura. Para resistir, busquemos mais fala, debate, política. Mais combate às notícias falsas. E, sempre, uma educação para a autonomia, que torne ao menos improvável que alguém não seja capaz de pensar sobre o que lê e escuta. Quando Hannah Arendt procurava elementos que ajudassem a elucidar como fora possível o horror perpetrado pelo Nazismo na figura de Adolph Eichmann – o competente gestor do morticínio organizado nos campos de concentração, trabalho escravo e extermínio –, encontrou algo que hoje e sempre, é fundamental: ele era dotado da incapacidade de pensar.

Belém, outubro de 2018.

 

Imagem de destaque: Pink Floyd – The Wall, filme de 1982

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