“Eu tenho CREF”: o debate sobre o profissional em Educação Física nas redes sociais – exclusivo

Renata Duarte Simões

Vem sendo veiculada nas redes sociais a campanha “eu tenho CREF”, promovida pelos profissionais em Educação Física em prol do incentivo à fiscalização do exercício ilegal da profissão em espaços não-escolares como academias, clubes esportivos, hotéis e similares. A campanha, de abrangência nacional, consiste em o profissional da área divulgar a sua imagem, “selfie”, com o registro do Conselho Regional de Educação Física em  mãos, acompanhada da legenda “eu tenho CREF”. Essa imagem também é seguida por outras frases como: “para os picaretas!”; “diga não ao trabalho ilegal!”; “exija o registro do profissional!”; entre outras. A mesma campanha denuncia quem anda exercendo a profissão sem a licença do CREF para esse exercício.

O Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região de São Paulo, em sua página oficial na internet, destaca apoiar a campanha e convoca os profissionais a mostrarem o registro, por meio de fotos, nas redes sociais. Outros CREFs espalhados pelo Brasil, como o CREF da 1ª Região-RJ/ES, o CREF da 13ª Região-BA/SE e o CREF da 10ª Região-PB/RN, também publicaram imagens de profissionais com o registro em mãos, convocando os internautas a denunciarem o “crime” de exercício ilegal da profissão, a fim de coibi-lo.

Em contrapartida, nas mesmas redes sociais, acusações recaem sobre o CREF quando o debate sobre a regulamentação da profissão vem à tona, pois, para expressiva parcela dos profissionais, “o CREF é um órgão que só fiscaliza quem está correto”, um “órgão falido que não tem postura e voz ativa” para defender os profissionais, uma entidade que “não luta pelos direitos da classe trabalhadora”. Alguns profissionais chegam a convocar os demais a pararem de pagar as mensalidades do CREF por desacreditarem na credibilidade do Conselho e por entenderem que o órgão não fiscaliza e pune com eficiência o trabalho irregular e que pouco faz pela categoria.

A Educação Física está regulamentada pela Lei nº 9.696, de 1 de setembro de 1998, que, por meio do Art. 4, determinou a criação do Conselho Federal (CONFEF) e dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs). A ideia era, com a criação e obrigatoriedade de registro nos Conselhos, limitar quem pode ou não atuar na área da Educação Física. O grupo favorável à regulamentação pretendia, além de impossibilitar que pessoas sem uma formação adequada atuassem nas diferentes áreas que o educador físico atuava, proporcionar qualidade às atividades físicas desenvolvidas.

Sobre a regulamentação, um dos pontos polêmicos refere-se a quem pode exercer a Educação Física profissionalmente, questão que encontra resposta legislativa no Art. 2º da Lei 9.696/98: serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os profissionais possuidores de diploma obtidos em cursos de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido (nacional ou estrangeiro), e os que, até a data do início da vigência desta lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho.

Contudo, o que parece estar no auge das discussões diz respeito à distinção dos espaços de atuação dos profissionais de Educação Física após a divisão da formação em licenciatura e bacharelado. A Licenciatura Plena em Educação Física, com duração mínima de quatro anos e que habilitava o profissional para os diferentes nichos do mercado de trabalho (Resolução CFE nº 3/1987), cedeu espaço à nova Licenciatura em Educação Física, com tempo de duração de três anos e carga horária de 2.800 horas. Essa nova Licenciatura limitou o espaço de atuação do licenciado ao Magistério do Ensino Básico, ou seja, aulas de Educação Física para o 1º e 2º Graus, de acordo com a Resolução CNE/CP nº 1/2002.

Por sua vez, o curso de Graduação Plena (Bacharelado) em Educação Física, com duração de quatro anos e com uma carga horária de 3.200 horas, habilita o profissional para atuar em todos os segmentos inerentes à área, exceto no Magistério da Educação Física no Ensino Básico (Resolução CNE/CES nº 7/2004).

Para atuação dos bacharéis, o CREF cobra o registro e tem intensificado a fiscalização em academias, clubes, hotéis, empresas etc., o que vem afastando os licenciados desses espaços antes também por eles ocupados. Contudo, sobre a cobrança do registro de professores, existem muitas controvérsias. Uma expressiva parcela dos professores de Educação Física que atuam nas escolas recusa-se a realizar o registro, sob a alegação de que o CREF é “uma entidade apática, inoperante e não representativa na defesa dos professores de Educação Física da rede de ensino da educação básica”. Para esses profissionais, o órgão arrecada “milhões”, valor que não retorna, em forma de investimento, aos professores. Um abaixo-assinado, veiculado pela internet, cuja meta inicial era alcançar 500 assinaturas e reuniu somente 230, evidenciando uma fragilidade de ações, foi criado com o objetivo de solicitar ao Ministério Público do Distrito Federal que o CREF seja impedido de realizar a fiscalização em escolas de ensino básico.

Os professores que defendem a não obrigatoriedade do registro buscam respaldo no Art. 3º da Lei nº 9.696/98, que estabelece quais atividades sujeitam o profissional a se registrar/inscrever nos Conselhos Regionais de Educação Física. Dentre tais atividades, não se encontra a de ministrar aulas, ou seja, a atividade do profissional de Educação Física escolar. Na Lei, também não são feitas ressalvas em relação ao ambiente de trabalho. Acrescenta-se, ainda, a defesa de que se tal obrigatoriedade existe, está adstrita ao Ministério da Educação, não podendo haver dois órgãos com as mesmas competências e atribuições. Compreende-se que o que diz respeito à Educação tem legislação própria (LDB) e fiscalizadores próprios: a União, em colaboração com Estados e municípios, sendo o diploma, devidamente registrado pelo MEC, o comprovante de habilitação.

O Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR) criou um site para veicular textos, divulgar o seu boletim, de acesso restrito aos assinantes, divulgar documentos, etc. O Movimento recorre aos pareceres do Conselho Nacional de Educação CNE/CEB nº 12/2005 e CNE/CES nº 135/2002, bem como ao Parecer MEC 278/200, para fundamentar argumentação contrária à regulamentação do professor de Educação Física que exerce seu trabalho nas escolas: “o exercício do magistério é questão que escapa às competências dos conselhos profissionais, estando sujeito aos regulamentos do sistema de ensino em que se inserir a instituição escolar”.

Há, por trás desse volumoso debate, a clara divisão de posições sobre a regulamentação da Educação Física, sobre o sistema CONFEF/CREF, no que se refere ao registro e fiscalização, e sobre a nova divisão dos espaços de atuação possíveis aos profissionais em Educação Física. A descentralização das discussões e a desinformação acabam fragmentando a categoria em suas lutas, gerando troca de acusações e denúncias entre profissionais da área.

Para aqueles que se opõem ao sistema CONFEF/CREF, os defensores da regulamentação não estão preocupados em discutir, refletir sobre os direitos da classe trabalhadora, sua formação histórico-social e sua emancipação, pois, segundo eles, o que importa é o diploma, o emprego, a manutenção do status social, a reserva do mercado de trabalho. Nesse sentido, o sistema CONFEF/CREF é visto como uma entidade conservadora, fragmentária e corporativista, cujo principal objetivo não é o fortalecimento da classe trabalhadora, mas servir aos interesses dominantes, fiscalizando e controlando a ação dos profissionais. Em contrapartida, os defensores da regulamentação acusam os opositores, em grande parte professores que não aceitam se submeter à fiscalização, de colaborarem para a desvalorização dos profissionais atuantes em espaços não-formais.

Nas redes sociais, as disputas por mercado de trabalho e as acusações trocadas entre profissionais reforçam a fragmentação da categoria e desconsideram as questões concretas que permeiam ambos os campos de atuação, tanto os formais quanto os não-formais. Nos espaços não-formais de trabalho, que são ainda muito precários, não há uma preocupação em organizar os trabalhadores para reivindicação dos seus direitos. Nos espaços formais, por sua vez, os professores são os novos alvos de ataque do processo de regulamentação, de forma legalista, autoritária e coercitiva, visto que os CREFs têm se articulado com secretarias municipais e estaduais no sentido de solicitarem tal registro, seja para os professores efetivos, seja para as novas contratações.

Em meio a esses embates, profissionais em Educação Física não conseguem promover uma mobilização que dê conta de reivindicar condições de trabalho mais dignas para ambas as esferas, formais e não-formais, não conseguem, como propõe o MNCR, criar oposição expressiva ao próprio sistema capitalista, que impõe exclusão e alienação do trabalho. Diante de uma luta que requisita a somatória de esforços de profissionais da área, a categoria está fragmentada!

No atual contexto, faz-se necessário que os profissionais em Educação Física busquem soluções em conjunto para articular e fortalecer o poder de reivindicação, não apenas na luta por melhores condições de formação e trabalho, mas também por apoio efetivo de entidades que busquem a aproximação com a categoria e a compreensão de suas demandas. 

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