Estranhos no ninho: a questão dos professores homens na Educação Infantil – exclusivo

Joaquim Ramos

Sandro Vinicius Sales dos Santos

Como pesquisadores de questões relacionadas à educação infantil, aproximamos nossas investigações para problematizar o lugar ocupado por professores homens nas instituições contemporâneas de educação infantil. Ambos os estudos (um realizado no Programa de Pós-Graduação em educação da PUC-MG e o outro, na FaE-UFMG), a categoria gênero se constitui categoria relevante para o entendimento do campo investigado. No município de Belo Horizonte, por exemplo, após mais de uma década de ampliação do atendimento à criança de zero a seis anos, os professores do sexo masculino ainda são vistos como “estranhos no ninho”.

A expressão “tem estranho no ninho” é, comumente, utilizada para apontar a presença de qualquer ser diferente no espaço de aconchego e convívio de mães/fêmeas e filhotes – quando da chegada desses últimos ao mundo. Todo estranho que arrisca a frequentar o ninho não sendo mãe, filhote ou outro participante do cotidiano daquele grupo familiar, pode, por vezes, ser considerado indesejado e até representar algum tipo de ameaça aos que, no ninho, se encontram, conforme afirma a máxima totalizante do senso-comum. No entanto, nem sempre são apenas as fêmeas que tomam para si a tarefa de gestar, dar a luz e estar no ninho com os filhotes. Em alguns casos, machos de algumas espécies são quem se ocupam da realização dessas funções e também são eles que melhor se apropriam desse espaço que, para nós, humanos, representa o lócus do feminino – mesmo que equivocadamente.

Para efeito de exemplificação, machos de inúmeras espécies (aves, répteis, insetos) ora se revezam com suas parceiras (fêmeas) na tarefa de cuidar, chocar ovos e alimentar os filhotes durante os primeiros dias de vida – esse é o caso do macho de joão de barro. Esse pequeno pássaro divide com sua parceira a tarefa de construção do ninho, incubação, da alimentação e proteção, até a independência dos filhotes. Existem também os machos que assumem tais tarefas no lugar das fêmeas – como no caso do pinguim imperador que fica a seu encargo a função de chocar os ovos até a eclosão. Existem machos mamíferos que, após a chegada dos filhotes ao mundo, se responsabilizam, em certo sentido, pelo cuidado e educação da prole – como no caso dos lobos. Depois de dar à luz, a fêmea do lobo fica próxima de seus filhotes sem deixar a toca (o ninho) por várias semanas. Durante esse período, o macho fica de guarda e caça alimentos para dividir com a fêmea e os recém-nascidos. Quando os filhotes crescem, o lobo macho assume o papel de cuidador, tanto para brincar quanto para ensinar a cria a se integrar ao ambiente. É tocante como os machos lobos estão implicados no cuidado, na “educação” e nas brincadeiras de e com seus filhotes. Essas ações entre os lobos pode, facilmente, estabelecer uma analogia com o que ocorre entre adultos e crianças no campo das interações sociais.

Aliás, o ninho é uma metáfora potente para pensarmos, na contemporaneidade, a inserção de homens nos espaços institucionais de cuidado e educação, em especial, para tratarmos da presença de professores do sexo masculino nas instituições de Educação Infantil. Mais do que isso, sendo o conceito de gênero um construto teórico relacional, falar de homens nos contextos de educação e cuidado – entendidos aqui como os ninhos humanos – pressupõe também perceber as relações destes com as crianças e com os adultos em um espaço tido como feminino e ocupado majoritariamente por mulheres.

Além do ninho, importa-nos problematizar a própria palavra estranho. De acordo com a etimologia do termo, estranho deriva do latim extraneu e significa exterior, de fora; que não pertence à família. Possui o mesmo radical de estrangeiro (outro sinônimo de estranho). Significa também anormal; desusado; espantoso; desconhecido; singular; esquisito; extraordinário; não habituado. Desse modo, não sendo mulher e nem criança, os professores homens na docência da educação infantil são tidos como estranhos, estrangeiros, os de fora, os esquisitos, os fora de lugar.

O ninho (do latim nidu) pode ser concebido como a morada construída pelas aves, certos insetos e peixes para a postura dos ovos, criação dos filhotes e para protegê-los de inimigos e das inclemências do tempo. Em outra acepção, o ninho é o lugar onde as fêmeas dos animais “dão a luz” e criam os filhotes. Assim, percebemos que a palavra ninho pode ser concebida como um tipo de pequeno “berço” feito pelos animais (em especial aves, insetos, repteis, mas também por mamíferos) para botarem seus ovos, chocarem (ou parirem como no caso dos mastozoários) e alimentarem os  filhotes recém-nascidos. Interessante destacar que a palavra berço para os humanos (e mesmo a palavra ninho), para além de se conformar como lugar de recolhimento dos bebês humanos para cuidados de proteção e alimentação, também apresenta outras simbologias que conduz à dimensão do desenvolvimento das habilidades e potencialidades. Os sentidos fornecidos pela etimologia da palavra ninho remetem também a lugar de “aconchego” das crias dos animais, o que pode ser percebido na experiência de cuidados e educação dos humanos. Com isso, queremos enfatizar que os ninhos do bicho homem transcendem a noção biologicista de lugar da sobrevivência inicial, dando lugar a uma concepção de espaço de recebimento dos novos chegantes ao mundo da cultura e da socialização.

Pensada dessa maneira, a educação infantil (hoje, primeira etapa da educação básica) exerce um lugar de destaque, pois, os estudos da área conseguem demonstrar que a indissociabilidade entre o cuidado e a educação é condição indispensável para o desenvolvimento humano. E para a execução desse binômio (cuidado/educação) cabe aos adultos – que também foram crianças – a obrigação de contribuir para que isso seja feito de maneira adequada e proveitosa.

Assim, temos problematizado a questão de gênero na perspectiva do cuidado e da educação de crianças pequenas, retomando a ideia inicial desse texto e lembrando que em alguns espécimes animais, são os machos que chocam os ovos e/ou cuidam dos filhotes. Assim, a reflexão que fazemos gravita em torno da seguinte condicionante: se até no reino dos animais – ditos irracionais – a natureza assegura que machos participem ativamente não só do processo de concepção, mas também garante-lhes o direito de acompanhar o desenvolvimento e de ser, em alguns casos, o principal responsável pelos cuidados dos filhotes é, no mínimo, questionável que entre os humanos isso não possa ocorrer, como temos percebido em algumas pesquisas e no debate contemporâneo feito no âmbito da educação infantil.

Ora, esses profissionais (professores homens) quando adentram um ambiente profissional construído por e em função de uma demanda social das mulheres – como no caso das instituições de educação infantil – altera as relações sociais que ali ocorrem. Nesse sentido, percebe-se que muitas vezes, a presença desses professores reproduz e intensifica as diferenças entre o masculino e o feminino que, habitualmente, em outras espaços de socialização, são vivenciadas sem tantos enfrentamentos e embates.

Desse modo, não basta apenas a existência de professores homens na docência de crianças da educação infantil. Por si só, a presença desses sujeitos não significa que será estabelecida a equidade de gêneros e nem garante o combate à discriminação e ao sexismo. Para além disso, é necessário que homens e mulheres se reconheçam como sujeitos capazes de contribuir com a transformação social.

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