Elogio da incerteza. Três reflexões a partir dos Jogos Olímpicos – exclusivo

Eduardo Galak

Na passada semana o meu querido amigo Ivan Gomes me pediu algumas reflexões sobre a minha experiência no Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos, que ocorreram em agosto passado. A intenção dele era compartilhar diferentes olhares sobre esse evento com seus alunos da graduação em Educação Física da Universidade Federal do Espírito Santo. Mais do que “Pensar a Educação”, a minha intenção publicando estas palavras neste jornal é “Pensar o Brasil” e a sua complexa e contraditória sociedade.

1) A primeira coisa que destaco foram as manifestações de segurança, numa imagem exuberante de uma cidade conhecida internacionalmente pela violência. Por um momento, numa explicitação parecida à pornografia, o show das armas bélicas e de militares vestidos para a guerra dava uma sensação de segurança para “os gringos”, mas completamente alheia a nossa cotidianidade. Além disso, esse exagero contrasta o lema dos Jogos de “um novo mundo” com a cor escura da nossa história latino-americana que não se esquece dos anos de chumbo.

Posso dizer que não vi tantas armas, nem aquela cor verde militar, em nenhum dos 40 países que conheci na minha vida, com exceção de Israel. É preciso dizer que as sociedades do Oriente Médio coexistem cotidianamente com o perigo de atentados e respostas militares, mas não superam os mortos que o Rio de Janeiro sozinho tem diariamente.

2) Quando os Jogos foram inaugurados, Thomas Bach (atual presidente do Comitê Olímpico Internacional) pronunciou uma frase que não demorou a ser questionada: os Jogos foram organizados à brasileira. Após isso, ocorreram explicações que tentavam justificar aquelas palavras como um elogio. Certo é que o Brasil demonstrou que pode fazer Jogos com estruturas igualmente grandiosas aos dos países “desenvolvidos”, embora essas grandes estruturas ficarão para um Brasil que não existe num futuro próximo.

Apesar das críticas à Bach, é preciso dizer que os Jogos foram feitos no jeitinho brasileiro: muitas pessoas envolvidas, numa complexa estrutura na qual ninguém sabe muito bem quem é o chefe e nem todos têm todas as informações necessárias. Qualquer semelhança com a realidade política não é mera coincidência.

Apenas um exemplo: a todo momento, em todo lugar, qualquer um podia ver nas ruas grupos de voluntários ajudando as pessoas. Ou, dito de outra forma, ajudar era a intenção. Embora os grupos estivessem organizados, geralmente, entre três e cinco voluntários identificados e com boa disponibilidade em falar em outros idiomas, nunca consegui respostas diretas a perguntas básicas como, por exemplo, quanto tempo demorava ir a pé até os estádios, onde podia comprar as passagens para ir a uma arena, ou coisas semelhantes. Apesar de estarem parados com grandes cartazes sinalizadores e camisetas com a frase “Posso ajudar?” (aqui valoro muito a observação do Ivan Gomes acerca da imagem de “voluntários desconectados”, um dos outros e para com o evento).

3) Uma coisa que tem relação com meus estudos: o treinamento do olho para assistir aos a Jogos. Estamos educados para assistir os movimentos de uma maneira televisiva, produzida para o espectador detrás da tela. Acho importante dizer que isso eu já sabia por minha presença regular nas arenas de futebol, mas descobri o mesmo em outros esportes que nunca tinha assistido: handebol, vôlei de praia, hóquei de grama, atletismo, entre outras, com particularidades para cada caso. Quero destacar principalmente as competições de vela: além de assistir as provas a uma distancia longínqua, você tem um grande telão onde você pode ver o mesmo que veria na TV. E caso você queira saber o que acontece, é quase a única maneira de compreender o que está realmente ocorrendo na água.

Por outro lado, também confirmei o que suspeitava: o show é produzido para a TV, ou então, para as arquibancadas mais caras. Vivi as constantes trocas de horários das partidas, argumentadas pelo interesse da televisão norte-americana, sem possibilidade de protestar.

Por último, uma reflexão final à margem dos Jogos (ou nem tanto). Chamou-me a atenção uma questão que achava que me chamaria a atenção, mas ao contrário do que suspeitava, presenciei uma nula expressividade política. Achava que me encontraria com uma sociedade politizada, que expressaria seu “Fora Temer” ou rejeição para a Dilma. Achei um Brasil fora do Brasil: brasileiros passeando pelo Brasil, mas sentindo-se no exterior, uma mídia falando de temas importantes como Bolt, esportistas brasileiros, o time de futebol, as medalhas nacionais, as vaias para “inimigos” esportivos, e um pouco mais de Bolt. Finalizados os Jogos, com a satisfação de ter organizado um evento esportivo impecável – além das críticas, do Zika e da contaminação da baía da Guanabara – e após as merecidas comemorações, é hora de acordar do sonho, com a certeza de uma realidade de ressaca golpista.

Eduardo Lautaro Galak

Profesor en Educación Física (UNLP), Magíster en Educación Corporal y Doctor en Ciencias Sociales en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (UNLP). Becario del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) en el Instituto de Investigaciones en Humanidades y Ciencias Sociales (IdIHCS-FaHCE) 

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