EJA: votamos SIM

Maria Rodrigues*

Ao pensar a alfabetização para os adultos Paulo Freire fala em “palavras geradoras”. Nós docentes, pesquisadores, militantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) temos em pauta temas centrais dos quais elegemos algumas palavras ou termos para refletirmos sobre os fundamentos dessa modalidade de ensino. A cada universo de sujeitos, são necessários grupos distintos de palavras para que o desejo desperte, aqui sugerimos algumas delas: concepção da EJA, letramentos, legislação, processos dialógicos.

Somos discentes chamados a refletir sobre a concepção da EJA que sustenta nossas práticas neste momento, uma vez que a pandemia intensificou a necessidade desse debate uma vez que as algemas e tutelas tendem a se fortalecer em meio ao aumento das desigualdades sociais. A proposta de educação emancipatória se torna ainda mais imprescindível e requer de nós o esforço diário para que o direito à Educação não seja estabelecido em padrões de precariedade e minimizado a uma lógica compensatória.

Na EJA letramentos são campos onde convivem diferenças e se discute o poder da linguagem, nela nossos enunciados devem ser construídos em uma posição responsiva. É preciso romper com o discurso primário de escuta da fala do opressor, e avançarmos na construção coletiva de reconhecimento das falas dos oprimidos, onde estes ainda sem condições de dizer não à cesta básica possam exigir que na composição da mesma tenha também um livro, um notebook, uma banda larga. É necessário persistirmos na reflexão com esses sujeitos sobre a etimologia das palavras, sobre a possibilidade de construção das orações padronizadas, mas também das hibridas, flexíveis e criativas. Isso de alguma forma reflete Paulo Freire, não trazer para o centro das discussões apenas palavras que já têm um significado para aquele discente, mas, trazer também novas palavras que despertem o desejo de novos conhecimentos.

O caráter emancipatório da EJA não exclui de seus fundamentos a necessidade da legislação que garanta os recursos para sua manutenção. Essa é uma importante frente de luta, pois são as leis que definem os direitos, que por sua vez possibilitam outras batalhas. Assim foi agora com relação a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que inclui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização da Educação (Fundeb) na Constituição Federal e define o direcionamento da verba para a educação como uma política de Estado, um mecanismo de financiamento permanente e redistributivo, tornando possível a efetivação de uma educação de qualidade para todos. Afinal, os entraves nesse processo não se limitam aos aspectos de práticas pedagógicas, não somos os protagonistas dessa disfunção, sem verbas adequadas não é possível garantir uma educação de qualidade. Enfim, não é o esforço extremo de alguns educadores que conseguem alfabetizar e se qualificar por meio de muito suor que irá dar um novo rumo a tanta desigualdade. Essa é a cota do poder público, responsável direto pela garantia do direito à educação de qualidade nas escolas públicas. Portanto, é Fundeb com Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Aqui nos lembramos dos processos dialógicos, muitas vezes quando falamos em escola pública, democrática e acessível para todas e todos falamos também da necessidade do diálogo e da escuta. No entanto, para que o enunciado desse diálogo seja pleno é necessária a alternância dos sujeitos e das falas. A recente aprovação do Fundeb é um exemplo disto, quantas frentes de batalha foram necessárias para que ele se efetivasse? E hoje, em um cenário totalmente adverso, onde parecia impossível a aprovação do texto, comemoramos a vitória dessa batalha. As lições ora são dadas, ora são aprendidas, como nos indica Paulo Freire ao descrever a educação bancária. A mídia eletrônica, mais especificamente o WhatsApp foi recentemente utilizado para mobilizar uma massa de pessoas e influenciá-las em eleições de âmbito nacional. O mesmo recurso, foi utilizado agora para mobilizar professores, pesquisadores, militantes e a população em geral a fim de pressionar aqueles que nos representam a aprovarem um mecanismo legal, uma Emenda Constitucional que estabelece condições para a promoção de uma educação pública de qualidade. Isso nos leva a pensar que os instrumentos possam ser neutros, o que difere são as intencionalidades daqueles que os utilizam.

Assim os processos dialógicos pressupõem mais do que uma expressão pessoal, são coletivos em diálogo permanente entre os atos passados e o presente. A EJA hoje estabelecida como modalidade dialoga com os movimentos sociais incipientes nos processos educacionais, dialoga ainda com conceitos e práticas emancipatórias, e também com a continuidade da luta. Afinal, na evolução dos processos de aprendizagem, muitas vezes ao reproduzir a fala do opressor em uma dinâmica de naturalização, o comunicante oprimido pode depositar nesta fala um pouco de dúvida, de inquietação ou indignação oriundas das dores e limitações que vive a cada dia e, daí, iniciar a mudança.

Se fôssemos analistas políticos talvez agora refletíssemos sobre o paradoxo de como foi possível, em um panorama político de total desvalorização da educação pública de qualidade para todos e todas em nosso país, ser aprovado no Senado Federal o novo Fundeb.

Mas, somos professores e professoras de escola pública, capazes de entender os processos dialógicos dos quais fazemos parte. Não temos dúvidas de quem sejam os protagonistas deste feito, nós comemoramos e nos enchemos de esperança, porém, sabemos que a luta continua, nós seguimos, para melhor compreender e contribuir nos processos da alfabetização e letramento, da superação do analfabetismo e acreditando que um dia será possível diálogos respeitosos, em todos os coletivos, inclusive nos coletivos compostos pelos representantes políticos na esfera federal.

*Professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte


Imagem de destaque: Antonio Cruz/Agência Brasil

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