Educação e Literatura: a Literatura como ferramenta pedagógica

Rafael Muller

Tratar sobre qualquer tema envolve uma série de recortes e escolhas que são feitas aprioristicamente pelo autor de um texto. Com Educação e Literatura em um artigo de opinião não é diferente e hoje proponho uma reflexão metatextual: pensar o próprio texto a partir do texto.

A Literatura pode ser pensada a partir da Educação: a Literatura como produto, como elemento que é criado nas escolas, nos espaços de trabalho, nos lares, nos mais diversos locais. Todo agir humano, sendo cultural, traz consigo um elemento estético, de modo que a cada tempo cada forma de expressão humana pode ser considerada literária. Ora, há textos que transitam entre espaços de circulação que colocam em xeque a sua “literacidade”: os ensaios são um grande exemplo.

A Educação também pode ser pensada a partir da Literatura: Literatura como ferramenta, instrumento de trabalho para a ação pedagógica. O conteúdo dos textos literários como forma de apresentação de mundividências diversas dos modos de perceber o mundo a partir do senso comum. E isso por razões explícitas: é preciso que algo diferencie os textos literários dos discursos do senso comum, e esse elemento é o estético, que pressupõe um outro olhar sobre o mundo, um olhar mais criativo, que fornece novas conexões e novos deslocamentos, onde a forma é também um conteúdo.

Pessoalmente, e para os que acompanham minhas produções textuais neste jornal, agrada-me mais a segunda abordagem: por uma simples questão de gosto e familiaridade; talvez por uma introspecção personalíssima de meu perfil; ou o olhar pragmatista e funcional, que observa a dinâmica e o movimento das coisas todas que há no mundo. Gosto de pensar a Literatura como ferramenta comunicacional e, portanto, como comportamento que implica o outro, o interlocutor.

Todo comportamento de um emissor implica o receptor e exige uma resposta – controla-o, certo modo. Não um controle no sentido estrito da palavra: que pode fazer com que o outro faça o que quer que ele queira, num modelo hipnótico. Mas um controle sutil: exige-se uma resposta. Faz parte da própria existência: não podemos ser absolutamente apáticos à existência do outro; e a própria tentativa de fazermo-nos apáticos é um tipo de comportamento em resposta à existência do outro.

A literatura implica mais ainda porque é uma comunicação que extrapola a existência e carrega consigo um conteúdo, que é o que a faz literária. A diferença de um bloco de papéis em branco e um livro, para um receptor, dá-se através da leitura. Para além de uma resposta física e fisiológica ao livro (carregar seu peso, por exemplo), o leitor dá respostas cognitivas ao autor ou narrador (conversa com ele). Faz parte da inevitável implicação que todo instrumento de comportamento impõe, mas vai além.

A leitura, portanto, é necessariamente mais do que um ato receptivo: é também reflexivo e dialógico. Impõe confrontar mundividências – formas de ver o mundo – que podem ora se opor, ora se reforçarem, mas que, de uma forma ou de outra, estão em diálogo. Como as mundividências são complexas, dificilmente ter-se-á um movimento de plena concordância e reiteração, fazendo com que toda leitura se torne crítica: como efetivamente ler algo com o qual os nossos esquemas mentais não concordam e sermos apáticos a isso? É sempre necessário um movimento reflexivo de ponderação: aceitação e/ou recusa, ainda que parcial.

Essas relativizações que se operam, nos ensinamentos de Piaget, são os processos de desequilibração e reequilibração dos esquemas mentais do sujeito, parte fundante da aprendizagem. A aprendizagem, nesses termos, dá-se pelo compartilhamento das formas de ver o mundo, em todos os espaços e formas em que possa ocorrer. É o principal ensinamento, vemos, das abordagens críticas da pedagogia. E a Literatura é catalizadora profícua de tudo isso pelo papel que se permite.

Falemos de lutas sociais, de crimes, de justiça, de valores, de economia, de amor, filosofia, psicologia ou do que quer que seja… tudo está no rol da Educação e da Literatura. Porque tratar de outras mundividências e temas circunscritos pela Literatura, para além das estritas temáticas “Educação” e “Literatura”, é um exercício claro, sim, de pensar a Educação a partir da Literatura e, portanto, pensá-las juntas. 


Imagem de destaque: Abhi Sharma

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