Educação de jovens e adultos no centenário de Paulo Freire: comemorações ou distanciamentos?

Mônica Gomes¹

O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar. O que mais favorece o neoliberalismo não é a miséria material das massas, mas sua ignorância. Esta ignorância as conduz a esperarem a solução do próprio sistema, consolidando sua condição de massa de manobra. A função central da educação de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de massa de manobra, como bem queria Paulo Freire. (DEMO, 2001, p. 320). 

Em setembro de 2021, mais especificamente no dia 19, o mundo comemora o centenário de nascimento do educador Paulo Freire. Em vários países, ao longo do último ano, tem acontecido diversos colóquios, semanas, seminários, lives, webinários… dentre tantas estratégias comemorativas que os países por onde o educador andou, trabalhou, orientou, serviu, passou têm realizado em respeito, reverência e reconhecimento ao mestre brasileiro.

Paulo Reglus Neves Freire, nasceu em Recife em 1921 e ali permaneceu durante a sua infância, quando, por motivos financeiros de sua família, mudaram-se para Jaboatão dos Guararapes, cidade próxima à capital, provocando olhares cuidadosos sobre a realidade em seu entorno. Porém, retorna a Recife para estudar e, esse retorno gera novas aprendizagens ao jovem educador. Este período foi considerado de grande fruição, uma vez que Paulo se envolveu com a educação, tendo na sala de aula, com adultos, seu elemento formador.

Autores como Brandão e Gadotti  apresentam-nos um perfil do educador voltado especialmente para as questões sociais de seu povo nordestino. Há que se considerar o Nordeste, naquele momento histórico, década de 1950, uma região bem castigada pela seca e pela cerca, pela falta de emprego e condições de sobrevivência do seu povo, considerado “esquecido” dos governos e do restante do país.

Esta realidade faz com que Freire aceite um grande desafio, que foi o de alfabetizar 300 trabalhadores rurais em 40 horas, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. É importante entender, nesta trajetória, que Angicos não é apenas um “símbolo contra o analfabetismo no Brasil”. É muito mais do que isso! É, de fato, o reflexo de uma construção de possibilidades para o povo brasileiro através da Educação, como marco de construção social. 

E, nesta trajetória de encontros, desencontros e reencontros com a finalidade da educação de (jovens), adultos e idosos, na visão e experiência de Paulo Freire, firma-se a proposta de uma educação para a democracia, que potencialize a construção da cidadania. Que tenha em seu bojo, o compromisso com as classes populares, os trabalhadores, camponeses, excluídos, marginalizados. Aqueles que, nas palavras de Pedro Demo, na epígrafe, são as “massas de manobra” necessárias à manutenção do status quo.

Trazendo para a reflexão destas proposições, há que se indagar – de forma firme e verdadeira – onde se encontra Paulo Freire nas escolas, turmas de EJA? Qual é o papel que sua história, trajetória e memória ocupa nos diversos espaços em que se lida com a EJA?

Paulo Freire vive! Vive? Nos murais das escolas, nos cartões que são oferecidos nos dias dos estudantes, nas lembranças do dia dos professores, nas reuniões de pais… Nos espaços exteriores à sala de aula. Me questiono: onde mais? Nas práticas que perpetuam a marginalização de educandos não o encontro! No currículo que não questiona a quem se presta, não o reconheço! Nos materiais que são oferecidos aos educandos, não o identifico…

Há uma cultura de silenciamentos, cada vez mais presente nas escolas de EJA – salvo algumas exceções – que assume um papel perverso de perpetuar práticas tão questionadas por Freire ao longo de sua construção e contribuição e de solidificar os distanciamentos cada vez maiores na pirâmide social.

É preciso revisitar Paulo Freire; reler suas obras, reconhecidamente valorosas pelo mundo afora, refletir sobre seus estudos, discutir suas provocações, para assim poder contribuir para que a sociedade atual o tire dos murais e cartões; que faça uso real das suas falas e que possibilite uma educação realmente emancipadora, trazendo os sujeitos “fazedores” de história para o centro das demandas sociais. Travar, em sua memória, uma luta humanista e esperançosa por um mundo livre e decente para todos.

É importante, especialmente no cenário atual, nos desafiarmos a ler Freire. Seu pensamento pedagógico é um legado que inspira diferentes experiências de educação progressista, que busca trabalhar na perspectiva da emancipação social a partir dos oprimidos. E, desta atitude, a EJA não poderá se furtar! 

 

1 – Pedagoga da Rede Municipal de Betim, especialista em Educação de Jovens e Adultos, coordenadora do Fórum Mineiro de Educação de Jovens e Adultos, pesquisa EJA e Juventudes, mestranda do PPGE/FaE/UEMG. 


Imagem de destaque: Flickr|LucasRocha

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