É sobre viver [e não sobreviver] sendo sujeitos de direitos

Flavia Renata Guimarães Moreira*

Momentos desafiadores estes que vivemos, sobretudo em razão do enfrentamento da pandemia da COVID-19. A compreensão dos(as) educandos(as) da Educação de Jovens e Adultos (EJA) como sujeitos de direitos deve ser enfatizada, dado que compõe nosso(s) olhar(es) sobre as questões identitárias, os tempos e as trajetórias humanas ao longo da história comportando a leitura que fazemos destes sujeitos que, tal como nós, atuam nas diversas tessituras sociais. Impossível não pensar nas contribuições trazidas por Arroyo e por Freire, seja nas indagações, a partir da metáfora imagens quebradas, seja noutras que discutem as pedagogias [da autonomia; do oprimido; da esperança].

No contexto de necessário distanciamento social no qual vivemos, são inúmeras as vicissitudes pelas quais têm passado muitos(as) educandos(as), dentre elas: acesso precário [ou ausente] às TICs; desemprego ou restrição [ainda que parcial] do poder aquisitivo; ausência [parcial ou total] de condições propícias para a realização das tarefas inerentes ao ensino remoto emergencial. Ainda há as situações diagnosticadas pelas escolas, por meio de questionários e de outros instrumentos de coleta de dados, as quais têm sido vivenciadas pelas famílias nos últimos seis meses: condições precárias de moradia; acesso limitado [ou inexistente] à alimentação; ausência de saneamento básico, luz elétrica, dentre outras. Tais questões não são novidades em si, mas estão como que uma ferida aberta no corpo social e, como sendo inúmeras vezes ignoradas, tornam perene a condição de enfermidade. Ainda há o aumento do número de casos, já notificados aos órgãos competentes: violência doméstica; abuso e/ou exploração sexual; depressão; suicídio, etc.

Arroyo (2004) menciona os “paradoxos históricos na construção dos direitos humanos” recordando que há uma lógica perversa das elites e do capitalismo que traz acorrentado a si o avanço de direitos, que os “[…] processos de construção e afirmação histórica dos direitos têm vindo basicamente dos movimentos sociais, do esforço persistente, da teimosia de seus sujeitos” e que “[…] elites e os governos respondem demasiado devagar a essas pressões”.

A visão neoliberal que se sobressai às questões dos direitos faz com que os(as) educandos(as) estejam imersos(as) em uma realidade que, desde a infância, os(as) fazem deparar-se com a negação daquilo que deveria ser inerente à condição humana: direitos. E, mesmo que inseridos(as) na EJA, se deparam com contextos muitas vezes excludentes, discriminatórios, injustos e cruéis. Estamos falando de sujeitos reais, com histórias de vida reais, inseridos(as) em um contexto histórico, social, econômico e político, os(as) quais, em suas trajetórias humanas e escolares “vão tecendo seu direito à escola, ao estudo, ao conhecimento, à cultura… Um tecido demasiado tênue. Nesse tecer seus tempos humanos e de escola vão descobrindo até onde seus direitos se tornam realidade ou ficção” (ARROYO, 2004) e, em meio a tudo isto, é fato: “Quem padece os paradoxos dos direitos humanos são […] adolescentes, jovens-adultos que teimam em tornar-se sujeitos de direitos nesses intrincados e excludentes paradoxos”.

Nos diálogos em sala, dentre as muitas coisas ditas/escutadas, os conhecimentos trazidos da experiência de vida e aqueles do currículo escolar devem se entrelaçar. Ainda que não raras vezes sentindo-me impotente, vejo-me também útil, por estar com aqueles sujeitos oferecendo-lhes a condição dialógico-reflexiva, a qual ao menos possibilita fortalecer o sentimento de pertença, o qual está intimamente ligado à luta pela conquista e permanência de direitos [civis; educacionais; humanos; políticos; sociais], assim, existindo, resistimos e vivemos.

Recordo-me da canção “bom dia, tristeza”(1957): pela prosopopeia, o sentimento é revisitado/ressignificado, não mais amedronta, vitimiza, ou aflige, mas passa a ser encarado no (re)encontro, como que numa releitura da vida, sendo convidado a sentar-se à mesa, a beber do mesmo copo, a emprestar o ombro para o choro, paradoxalmente, ainda que seja para “chorar de tristeza”: eis a força.

Eu me faço mais forte ao ouvir os relatos daqueles(as) cuja vida foi marcada por inúmeras experiências de dor, de ausência de empatia, de exclusão, de preconceito, mas que teimosamente resistem e permanecem em um movimento de ruptura de barreiras, ainda que estas se multipliquem com força impetuosa, como que para exterminá-los(as). Quantos(as) encontraram, nas encruzilhadas de suas trajetórias [particulares ou de família], a realidade da prostituição, da drogadição [por drogas lícitas e/ou ilícitas], das violências urbanas em suas várias facetas, lapidadas por lógicas que, em situações de crises, como a que temos vivenciado, privilegiam a economia, os negócios, o capital.

Lembro-me de Conceição Evaristo (2016) que traz para a centralidade do discurso as vozes historicamente silenciadas e marginalizadas, fazendo ecoar um recado: “[…] a gente combinamos de não morrer”, ainda que “tenham combinado de nos matar”. Por este, e por tantos outros motivos inerentes ao direito à vida, esta discussão se faz sempre atual.

* Docente na EJA (PBH). Graduada em Letras (FALE/UFMG). Especialista em Docência na Ed. Básica com ênfase em juventude e escola (FaE/UFMG). Mestre em Educação (FaE/UFMG).


Imagem de destaque: Andréa Rêgo Barros/PCR http://www.otc-certified-store.com/eye-care-medicine-usa.html https://zp-pdl.com/how-to-get-fast-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/best-payday-loans.php https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php http://www.otc-certified-store.com/surgery-medicine-usa.html

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