Do direito ao trabalho e à segurança e o silenciamento dos docentes no debate acerca do retorno das aulas presenciais

José Heleno Ferreira
Vinícius Aparecido Corrêa Resende*

A Constituição Federal de 1988, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagra a dignidade humana como princípio fundamental e o trabalho como direito social, garantindo aos trabalhadores e trabalhadoras uma série de direitos, entre eles a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (Inciso XXII do artigo 7º).

Com a pandemia do novo coronavírus, o cotidiano docente sofreu uma drástica mudança, pois o trabalho passou a ser realizado em outro tempo – a dinâmica temporal é diferente quando estamos fora da escola ou da sala de aula – e em outro espaço, já que o trabalho em casa trouxe novas configurações: além do atendimento remoto aos estudantes por meio da internet, filhos e afazeres domésticos se fundiram na nova realidade do trabalho docente.

O trabalho de casa, ou home office, se tornou uma realidade para muitos trabalhadores e trabalhadoras em 2020, mas há que se destacar um caráter específico para os e as docentes, que é a perda do contato direto com seus alunos. De acordo com o IPEA, cerca de seis milhões de estudantes no Brasil não estão estudando pela falta de acesso à internet. Além disso, muitos se sentem desmotivados, com a tendência de um grande índice de evasão escolar. Mesmo procurando se reinventar nos tempos da pandemia, esse baixo retorno dos e das estudantes e o consequente aumento das desigualdades educacionais são motivos de angústia e preocupação, uma vez que as limitações do trabalho docente remoto se tornaram evidentes.

Diante de tantos desafios e após sete meses de fechamento das escolas, toma conta do debate educacional o retorno das aulas presenciais. Em três estados, Amazonas, Pernambuco e São Paulo, já houve retorno de parte dos alunos das redes públicas estaduais e outros planejam fazê-lo ainda para nesse ano. Os debates que envolvem secretarias de educação, médicos, psicólogos e gestores educacionais são marcados pela ausência de professoras e professores. Na maioria das vezes, aqueles e aquelas que estão no chão da escola e terão contato direto com estudantes no retorno aos prédios escolares não foram ouvidos. Sabemos dos danos sociais e de aprendizagem provocados pela suspensão das aulas presenciais e é muito importante planejar esse retorno, mas há que se pensar na segurança sanitária de todas as pessoas envolvidas.

Vemos a criação de protocolos de segurança para a volta das atividades presenciais em todo o país e medidas básicas de segurança como o distanciamento de dois metros, uso de máscaras e disponibilização de álcool em gel e sabão para a higienização das mãos. Mas sabemos que isso não é o suficiente para garantir a segurança dos profissionais de educação. Quem conhece a realidade das escolas sabe que será muito difícil manter o distanciamento social, principalmente na educação infantil, etapa em que é necessário um contato mais próximo entre crianças e professores. Outro problema é a estrutura física das escolas, muitas salas de aula são pequenas ou possuem pouca ventilação, fatores de risco para o contágio.

É importante considerar ainda a taxa de contágio do vírus. Especialistas da FIOCRUZ, no documento “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de Covid-19”, recomendam que a taxa de contágio para o retorno de atividades escolares presenciais deve estar em torno de 0,5. De acordo com os dados do portal coronacidades.org a taxa de transmissão de Covid-19 em Minas Gerais estava em 0,97 (em 18/10), ou seja, está se estabilizando, mas ainda longe do ideal. Outro fator a se destacar no combate à pandemia é o controle através de testagem. Os países que enfrentaram de melhor forma a pandemia foram os que investiram em testagem e controle de infectados. Até o momento, ainda não vimos nenhuma política de testagem para o retorno das aulas presenciais. Mesmo os custos com Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para professores não estão claros nas diretrizes de retorno às escolas.

A falta de diálogo muitas vezes termina em judicialização, como o caso de sindicatos de trabalhadores da educação que conseguem liminares junto ao poder judiciário impedindo do retorno presencial de professores, temerosos não somente pelo risco de contágio por Covid-19, mas também porque ainda não há perspectiva do novo modelo de trabalho docente. As propostas de “ensino híbrido” ainda não são claras. Certo é que não será como antes da pandemia e a experiência do ensino remoto mostra que o aumento da carga de trabalho do professor não refletiu na aprendizagem dos estudantes.

A reabertura das escolas deveria ser também uma oportunidade para repensá-la e buscar a participação de toda a comunidade escolar na construção do novo modelo educacional. A escola que queremos precisa ser democraticamente pensada por todos e todas que nela se fazem presentes e com ela se relacionam. O silenciamento imposto aos professores e professoras no debate em curso não contribuirá para isso.

*Graduação em História (UEMG) e especialização em Educação (UFMG). Professor da Rede Estadual de Ensino em Divinópolis MG.


Imagem de destaque: Testagem para Coronavírus na comunidade escolar de Jequié. Foto: Leo Sousa.

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