Diálogos possíveis: projetos intelectuais e a educação pública

Carolina Othero

 

“O que mais interessa a um país é a instrução primária, por ser a que mais concorre para a formação do caráter nacional, e do espírito público e a única que prepara os povos para ao regime democrático. É profundamente triste verificar que essa instrução quase não existe no Brasil”. É com essas palavras que Manoel Bomfim (1868-1932) pensou a educação brasileira num artigo publicado na imprensa em 1897. Psicólogo e professor da Escola Normal do Rio de Janeiro, esse intelectual compartilhava com outros de sua época vários projetos educacionais que estavam intimamente relacionados com seus projetos políticos, culturais e sociais para o Brasil. Muitos deles acreditavam que a consolidação do regime republicano brasileiro só seria possível com o maior investimento dos poderes públicos na escola, principalmente a primária, e com o combate ao alto índice de analfabetismo, considerado uma das grandes dificuldades para o desenvolvimento da nação.

Diante desses desafios, homens e mulheres se mobilizaram e acreditaram que diferentes projetos educacionais poderiam ser uma forma de intervir no mundo público e de auxiliar na construção da nova República. Uma das formas de intervenção era a escrita de livros didáticos, que veiculavam não apenas os conteúdos das diferentes disciplinas escolares, mas também valores e atitudes consideradas pelos autores fundamentais para aquela sociedade. Podemos pensar aqui, por exemplo, no livro Por que me ufano de meu país? de Afonso Celso, com uma linguagem e propósito claramente ufanistas; na obra Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bomfim, que buscava apresentar as diferentes culturas e costumes brasileiros para os pequenos leitores nos bancos escolares; e também no livro Histórias de Nossa Terra (1911), da escritora Julia Lopes de Almeida, voz feminina que muito se destacou na época na defesa de uma educação de qualidade para as mulheres, num momento em que muitos negavam esse direito ao sexo feminino.

Existiram também projetos coletivos e institucionais, como a reforma educacional no Estado de São Paulo em 1892, que auxiliou na divulgação do método intuitivo de ensino, o que nos mostra que as disputas e projetos envolviam não apenas o que ensinar, mas também como ensinar, ou seja, questões acerca dos melhores métodos de ensino e aprendizado. Outra preocupação que também começou a tomar forma no período foi a necessidade de uma formação qualificada de professores, o que pode ser percebido pela proliferação de novas Escolas Normais pelo país entre os fins do século XIX e o começo do XX.

Todas essas iniciativas intelectuais nos fazem pensar numa questão mais ampla, e que transcende o período da Primeira República, que é o papel que homens e mulheres, através de suas ideias, obras e práticas, desempenharam no debate acerca do lugar da educação pública na sociedade brasileira e no traçado de formas possíveis para o sistema educacional. As questões e desafios que intrigavam esses intelectuais, bem como os projetos em que eles se envolveram mudaram muito ao longo da história do Brasil: podemos pensar na preocupação com a consolidação de um ensino primário nacional no começo do século XX; nas novas questões sobre o ensino e a aprendizagem levantadas pela Escola Nova na década de 1930; nos debates e projetos que, desde a década de 1930, envolveram os intelectuais na construção das universidades brasileiras e dos cursos de ensino superior voltados para a formação de professores; e também nas questões mais recentes, relativas à educação indígena e quilombola, à educação inclusiva e ao lugar da educação à distância na democratização do campo educacional.

Compreender como homens e mulheres lidaram com esses desafios e como colaboraram, de diferentes maneiras, para a construção de um sistema público de ensino no Brasil, pode ser importante para entendermos os desafios do nosso presente e para mostrar a historicidade de nossas práticas, ideias e instituições educacionais. Pensar e discutir essa história é uma maneira de conseguirmos nos situar e nos posicionar melhor no nosso tempo em relação à educação que temos e que queremos.  Por isso, a trajetória, as obras e projetos de intelectuais brasileiros que pensaram a educação podem ser tão valiosos para nós: eles podem ser nossos interlocutores num diálogo entre o presente e passado para a construção de futuros possíveis.

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História – FAFICH/UFMG
carol_othero@yahoo.com.br

Para saber mais:

GOMES, Angela de Castro. A escola republicana entre luzes e sombras. In: _______; PANDOLFI, Dulce Chaves; ALBERTI, Verena. (Cood.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, CPDOC, 2002.
BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *