Desafios da participação social no enfrentamento da dengue, zika e chikungunya

Júlia Vargas¹

Paloma Coelho²

Participação social é um conceito amplo e assume diferentes sentidos conforme o contexto. O termo, originalmente, diz respeito tanto ao “fazer parte”, como ao “tomar parte”, ou seja, participar envolve pertencimento e apropriação. Nas políticas públicas, a participação se refere à ação da população na elaboração, tomada de decisões e implementação de políticas, programas, leis e ações diversas dos poderes públicos. Mas, para isso, é importante que os cidadãos se vejam como condutores dos processos de mudança social, estabelecendo uma nova relação entre o Estado e a sociedade, baseada na reivindicação de direitos, bens e serviços, mas também na proposição de soluções autônomas para os problemas enfrentados. 

No campo da saúde, a participação social surge no Brasil como uma demanda defendida por vários movimentos sociais que lutavam contra a ditadura militar desde os anos 1970, em especial o Movimento pela Reforma Sanitária. Com a redemocratização e promulgação da Constituição de 1988, o SUS foi criado e a participação social foi institucionalizada como um de seus princípios. Desde então, ela vem sendo exercida principalmente por meio dos Conselhos de Saúde nacional, estaduais e municipais, em que representantes da população integram e participam das decisões desses órgãos. Há também várias outras formas de participação social, como as manifestações, petições, abaixo-assinados e mutirões. Observa-se, no entanto, que ainda são muitos os desafios para promover e garantir a efetiva participação da sociedade nas ações de saúde.

Um desses desafios está relacionado à mobilização social, que consiste em estimular e convocar pessoas a agir em torno de um objetivo comum (1). As ações nos serviços de saúde, tradicionalmente, têm se mostrado verticalizadas e centralizadas na autoridade do saber e na responsabilidade das ações por parte dos governos e dos profissionais de saúde, desconsiderando o conhecimento e as iniciativas da população para solucionar problemas de seus territórios (2). Considerando, porém, que a adesão e a participação são voluntárias e demandam esforços mútuos, é preciso que as ações de mobilização de fato despertem vontades e ofereçam caminhos para uma participação efetiva, em que os diversos saberes sejam valorizados, possibilitando transformações concretas, como a ampliação e democratização dos espaços de decisão política, bem como o acesso às oportunidades, aos recursos e benefícios do desenvolvimento econômico.

Nesse sentido, o projeto “Vamo Junto? Enfrentando a dengue, zika e chikungunya”, desenvolvido por pesquisadoras/es da Fiocruz Minas, visa estimular a participação social no enfrentamento das três doenças em Minas Gerais por meio de ações em que a população se veja como protagonista na promoção da saúde e do bem-estar das comunidades. O enfrentamento da dengue vem sendo realizado no Brasil há mais de três décadas, porém, em várias regiões do país, as taxas de incidência se mantêm altas. Em 2020, em que pode ter havido subnotificação devido à pandemia de Covid-19, os casos de dengue, zika e chikungunya ainda foram muito significativos (3). Anualmente, são realizadas iniciativas governamentais informando a população sobre a importância de não deixar água parada e de eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor dessas doenças, terminando por dar ênfase ao controle químico ou ao uso de inseticidas.

Com o intuito de modificar o papel da população como mera espectadora dessas ações, o “Vamo Junto?” tem realizado pesquisas nos territórios abrangidos pelo projeto para compreender as realidades locais e identificar possíveis instâncias de participação por meio das redes de sociabilidade existentes. O estudo dos territórios sob a perspectiva “de perto e de dentro”(4) permite conhecer as experiências, interações cotidianas e laços de reciprocidade das redes familiares, de vizinhança, religiosas, associativas, de trabalho, entre outras que resultam em códigos de reconhecimento e de pertencimento. Geradoras de solidariedade, essas redes são potenciais espaços de participação cidadã, com fluxo constante de informação, conhecimento, apoio social e auxílio material, recursos que favorecem o fortalecimento e a coesão comunitária, sendo, por isso, alternativas aos sistemas participativos formais.

1Bolsista de Iniciação Científica da Fiocruz Minas.

2Pós-doutoranda da Fiocruz Minas.

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.

 

Para saber mais: 

(1) TORO, José B.; WERNEK, Nísia M. D. F., Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. UNICEF Brasil, 1996.

(2) FERNANDES, Valcler R. et al. O lugar da vigilância no SUS – entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciência & Saúde Coletiva, 22(10), 2017.

(3) Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico, v. 51, n. 41, out. 2020.

(4) MAGNANI, José Guilherme. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. RBCS, v. 17, n. 49, jun. 2002, p. 11-29.

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