Da Universidade à Política (ou, à corrida eleitoral) – II

Alexandre Fernandez Vaz

Há duas semanas, meu texto publicado neste mesmo espaço deixava ao seu final duas perguntas: “São os intelectuais impotentes para a política tradicional? Devem manter-se no papel de críticos, renunciando ao enfrentamento das contradições que a ação oferece?”

Penso que as respostas são sim e não, simultaneamente, para os dois casos. Há intelectuais que podem e devem seguir fazendo a análise e a crítica, por aptidão ou opção, enquanto outros, pelos mesmos motivos, escolhem o caminho da filiação partidária e da disputa eleitoral. Refiro-me principalmente aos cargos executivos, em que o jogo é mais duro porque diretamente com as demandas da população, com as soluções sempre em atraso e com um enfrentamento na comunicação que é muito difícil, já que rádio e TV são principalmente dominados por grandes conglomerados que, no melhor dos casos, são conservadores. O trânsito da calma da vida intelectual para o frenesi da política e da gestão pública não é fácil, mas é possível. No Brasil de hoje há pelo menos um ótimo exemplo e um outro a caminho.

Há dois anos, em Frankfurt, dizia a um amigo que o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que tentava a reeleição, havia escrito uma tese de doutorado em Filosofia em que fazia uma crítica a Jürgen Habermas. Meu interlocutor, Professor Emérito em importante universidade alemã e analista político atento ao seu país e ao mundo, não foi capaz de esconder o espanto frente ao fato de que o governante da ingovernável São Paulo se ocupara de tema de tal ordem. Sem desrespeito ao grande teórico do agir comunicativo, da esfera pública e de tantas análises do contemporâneo, que inclusive foi professor do amigo, dedicar-se à crítica a ele não parecia ser requisito para a disputa e logo para a prefeitura de São Paulo.

Como se sabe, Haddad fez uma ótima gestão em São Paulo, depois de ter sido talvez o melhor Ministro da Educação que tivemos desde o fim da Ditadura. Se em algum momento houve ruído na comunicação do executivo com a população, se muito não pôde ser feito, se houve falhas na gestão, não há como desconsiderar o exemplo de gestão pública pensada como projeto para a cidade, com iniciativas de repercussão a médio e longo prazo, como as da questão habitacional. Parece-me, no entanto, que o grande legado do ex-prefeito passa por outro ponto, que é mostrar que uma atitude reflexiva e não meramente, no sentido fraco do termo, pragmática, é muito importante e tem eficiência. Haddad já disse que aprendeu na prática o que mestres como Sérgio Buarque de Holanda lhe haviam ensinado pela leitura. As dificuldades não impediram a boa gestão pública, tampouco desanimaram esse intelectual a seguir na política partidária, o que é muito bom.

Não deixa de ser admirável a disposição anímica para o esforço que é viabilizar uma candidatura e buscar votos, especialmente em um ambiente político em que as questões públicas são, de fato, raramente pautadas e enfrentadas. Por isso é alvissareira a possibilidade, cada vez mais forte, da candidatura da Professora de Filosofia Marcia Tiburi a governadora do estado do Rio de Janeiro. Com importante carreira universitária, o que inclui uma excelente dissertação e uma igualmente boa tese de doutorado, transformadas em livros, e forte inserção no debate público, Tiburi é uma novidade bem-vinda para a política.

O perfil feminista e à esquerda, combativo, encontra em Tiburi solidez argumentativa e erudição como poucas vezes se vê. Alia-se a isso sua capacidade comunicativa, que faz com que tópicos difíceis possam ser problematizadas por um ângulo novo e de forma clara para o público não acadêmico. Penso que a pré-candidata apresenta ainda uma capacidade que pode ser decisiva em relação aos embates atuais, muitos deles, e cada vez mais, confinados às redes e à parafernália imagética. Ela é uma crítica desses meios sem que se exima da participação e da disputa por esses espaços. Pode nos ajudar, quem sabe, a ressignifica-los.

É frequente a crítica aos intelectuais porque viveriam eles no mundo das ideias, longe da prática concreta e dos meandros da atividade política. A política não é o lugar da verdade, nem pode ser, mas das possibilidades, do diálogo, da disputa por projetos de sociedade, pela busca das condições para implementa-los. No entanto, ao contrário do que geralmente se pensa, é justamente por se munirem de recursos teóricos e analíticos que os intelectuais são importantes. Não porque têm a verdade, claro, mas porque podem oferecer um tipo de pensamento sobre o social que só a formação proporciona. Um pouco mais de razão, de ideias, um prazo mais largo para pensar. Busquemo-los. A ação política precisa, muito, inverter a ordem do tempo.

Belo Horizonte, junho de 2018.

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