Crise Universitária e a penalização de mulheres e crianças: o caso das creches da USP

Ana Luiza Jesus da Costa

Hoje é dia 8 de março de 2015 e, há poucas semanas, profissionais das creches da Universidade de São Paulo, pais e mães de crianças lá acolhidas, estudantes, funcionários e professores foram surpreendidos com o cancelamento das vagas de ingresso para novas crianças. Houve protestos, mas a reitoria, como de hábito, não dialogou com a comunidade. O fechamento de vagas nas creches universitárias materializa diante de nós a barbárie que vem se aprofundando nos últimos tempos: o sacrifício aos direitos nos altares do mercado.

Os especialistas em educação apontam desafios para os próximos anos, uma vez universalizado o ensino fundamental: educação infantil e ensino superior. O Plano Nacional de Educação (2014-2024) estabelece como primeira meta: “Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE”. A atitude do reitor Marco Antônio Zago, vem na contramão dos discursos democratizantes e demandas sociais.

O objetivo desse texto é divulgar moção elaborada por professores da Faculdade de Educação da USP pela reabertura das vagas e contratação de profissionais necessários à realização do trabalho com as crianças. Seguem, antes, alguns comentários.

Em entrevista à Veja (25/06/2014), preocupado com a queda da USP em Rankings internacionais de pesquisa e inovação, Zago já anunciava sua concepção de Universidade, por mais caricatos que possam parecer o veículo e as formulações. Para o reitor, vida profissional é sinônimo de competitividade. Perguntado se “o atual sistema compromete a inovação”, o reitor responde que os pesquisadores, hoje, vivem em uma “zona de conforto”, “(…) o tempo passa, eles criam vínculos estáveis. (…) Os que arriscam mais são sempre os mais jovens. Depois eles casam, têm filhos, ficam mais prudentes e o sistema aceita”.

O modelo de universidade pressuposto nesta fala é o de uma ilha de excelência onde não cabem crianças, pessoas mais velhas e “prudentes”, aqueles que necessitam de atendimento médico (vide o fechamento de alguns setores do Hospital Universitário), em suma, não cabem aqueles que precisam de cuidados. O problema é que, em alguma medida, todos nós precisamos de cuidados, até os inovadores e produtivíssimos.

O fechamento de vagas nas creches universitárias não significa apenas 150 crianças a menos, grave já seria se assim fosse. Significa mais um ataque ao ensino público e aos direitos sociais. Sofrem os direitos das crianças receberem educação infantil de qualidade; o direito das mulheres de terem onde deixar amparados seus filhos e filhas, numa sociedade em que este cuidado ainda é pressuposto como dever feminino. Sofre o ensino superior público – ele mesmo, direito tão restrito – pois sem creches, muitas estudantes, sobretudo das classes trabalhadoras, não poderão manter-se em seus cursos. Sem elas, muitas trabalhadoras da Universidade terão suas rendas globais depreciadas, pois terão de arcar com creches privadas, ainda que a universidade ofereça o “auxílio creche”, o que nem sempre é suficiente, além de representar transferência de recursos públicos para o setor privado.

Por fim, gostaria, apenas, de lembrar que políticas de desigualdade como esta, não trazem perdas apenas para mulheres e crianças, mas para o ensino superior e para produção de conhecimento científico em geral. E que, apesar delas, nós mulheres, somos especialistas em resistência. Só porque estamos falando de universidade, vale lembrar que já fomos completamente sub representadas nesse espaço e, hoje, tendemos a prevalecer. E, quando a ciência [social] não nos cabia, revolucionamos seus paradigmas com os estudos sobre gênero. Sem mais, deixo falar as(os) docentes da Faculdade de Educação da USP.

Moção da Congregação da FEUSP, aprovada em 26/02/2015:

(…) As creches/pré-escolas da USP – três na capital, uma em São Carlos e outra em Ribeirão Preto – atendem 580 crianças, filhos de professores, funcionários e alunos da Universidade. A existência desses espaços na Universidade evidencia a valorização dessa etapa da escolarização como direito das crianças e de seus pais e mães (…). É também uma das mais relevantes ações de permanência estudantil a alunos e alunas da Graduação e da Pós-Graduação.

Além disso, as creches constituem um importante campo de investigação para as pesquisas desenvolvidas na Pós-graduação da FEUSP e outras Faculdades e Institutos (…) e instituições de pesquisa. Ressalta-se também seu lugar de referência aos profissionais de educação infantil que frequentemente buscam [ali] subsídios para incrementar sua atuação, o que evidencia seu importante trabalho de extensão universitária.

(…) A não abertura de vagas nas creches da USP significa uma perda inestimável para as crianças que iriam ingressar e para as que já estão lá. Significa, ainda, no que concerne à FEUSP e demais Faculdade e Institutos de Pesquisa e de Formação Docente da USP e de outras instituições, a perda de um espaço crucial de formação de atuais e futuros educadores e pesquisadores.

A postura de silêncio por parte da SAS (Assistência Social) e da própria Reitoria da USP sobre o procedimento do cancelamento de vagas e sobre o desdobramento dessa ação, é, desse modo, preocupante e inaceitável. Assim, considerando-se o reconhecimento do direito da criança e da família à educação infantil e a relevância das creches/pré-escolas como importante lugar para o desenvolvimento de pesquisa, ensino e extensão, a Faculdade de Educação da USP, por meio de sua Congregação (…) solicita a imediata reabertura das vagas para o devido acolhimento das crianças que a elas têm direito e a contratação de novos funcionários para que mantenham o trabalho de excelência realizado (…) em consonância com o que é preconizado pela Universidade de São Paulo.

 

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