Contextos de desenvolvimento autoritário e a autonomia corrompida das nossas crianças

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

 

O professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Yves de La Taille, considera que os contextos autoritários são menos favorecedores para o desenvolvimento da autonomia das crianças, pois há menos espaços para questionamentos e produções de consensos. Por outro lado, em contextos democráticos elas aprendem a argumentar e a experimentar pontos de vistas diferentes. Portanto, contextos que privilegiem a argumentação, perspectivas variadas e o questionamento criam condições necessárias para o desenvolvimento da moral autônoma, segundo os fundamentos da teoria piagetiana e imprescindíveis para a formação da cidadania.

Ainda sobre a relação dos contextos de desenvolvimento e as repercussões destes na criança, recentemente a psicanalista Julieta Jerusalinsky, no programa Café Filosófico, da TV Cultura, ao abordar a temática “intoxicações eletrônicas na primeira infância”, aponta que mesmo os bebês estão expostos às “intoxicações eletrônicas” porque os seus pais sucumbem aos seus efeitos, comprometendo a qualidade das relações parentais. É o caso dos pais que estão permanentemente indisponíveis para interagir com seus filhos ou aqueles que falam com a criança, mas ao mesmo tempo teclando freneticamente algum smartphone.

Se tomarmos as contemporâneas teorias que privilegiam os contextos de desenvolvimento, sobretudo a partir de uma compreensão histórica, cultural e sistêmica, como a Ecocultural (SUPER; HARKNESS, 2002) e a Bioecológica (BRONFENBRENNER, 1996), os macrossistemas também vão incidir no desenvolvimento infantil.

Assim, considerando os macrocontextos brasileiros marcados pelos dissabores de um Estado de exceção, por uma cruzada da moral e “dos bons costumes” conservadores e por uma intolerância para com o diferente (estes que são alguns dos elementos constitutivos do autoritarismo), sem falar dos incentivos persecutórios ao medo e a insegurança deflagrados pelo sistema, típicos de uma sociedade global do controle (DELEUZE, 1990), é possível apreender, mesmo que ainda não suficientemente evidenciado do ponto de vista científico, alguns dos desdobramentos sobre o desenvolvimento da criança brasileira em tempos temerosos ou em ditaduras de togas.

Só para dar alguns exemplos, já presenciei professoras de educação infantil expressarem receios em abordar na sala de aula certos temas relacionados a sexualidade por conta de possíveis represálias da comunidade e também pais que internalizam morais conservadoras e dizem aos seus filhos, desde de tenra idade, que se eles forem homossexuais serão abandonados. Essas situações, embora não sejam novidades em um país atravessado pelas desigualdades sociais e enraizado por preconceitos diversos, indica uma intensificação de relações marcadamente autoritárias porque intransigentes, intolerantes e não dialógicas.

Em coerência com as teorias aqui aventadas e considerando possível a análise dos contextos de desenvolvimento, no nível macrossistêmico do nosso país, parece que estamos aumentando as dificuldades das nossas crianças desenvolverem autonomia e, com isso, comprometendo a formação da cidadania, como que corrompendo seu futuro.

Referências

DELEUZE, G. Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990 .

SUPER, C.M., & HARKNESS, S.. Culture Structures the Environment for Development. Human Development, 2002, 45, 270–274.

Bronfenbrenner, U.. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996

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