Como o povo oprimido, Paulo Freire é alvo e escudo a um só tempo

Eugênio Magno

Paulo Freire é gigante. Sua robustez é de causar inveja à maioria dos mortais. Entretanto, de intelectual respeitado e homenageado em todo o mundo, se tornou nos últimos anos – em seu país natal – alvo de críticas e rechaços por parte dos atuais ocupantes do poder central. E daí está migrando ou, simultaneamente, ocupando também a posição de escudo.

Se variar entre a condição de alvo e escudo já é ruim, pior é estar na mira de ataques e, ao mesmo tempo, ser usado como anteparo de disparos contra quem nunca o prestigiou a altura do seu merecimento. O patrono da educação brasileira merece lugar melhor na história. É de bom tom que ele não seja usado indevidamente por quem sequer o conhece bem ou já o reconheceu um dia, nessa guerra encarniçada em que, para além da disputa política majoritária, se juntam vários outros interesses, como os da proteção de pequenos feudos na esfera pública. É assombroso darmos conta de como o corporativismo pode usar do oportunismo de forma tão cruel e sub-reptícia a ponto de lançar mão grande sobre a memória de um pensador que sempre esteve ao lado dos oprimidos, contra o establishment, praticando uma educação popular e libertadora. Freire não configurou uma pedagogia para os oprimidos, oportunizando empoderamentos que promovessem distinções entre pares de uma mesma comunidade, nem usou inclusão como retórica. Ele articulou várias pedagogias, como as do oprimido, da esperança, etc., tendo como centralidade a educação como prática da liberdade, pedagogias contra-hegemônicas forjadas nas lutas dos/com os pobres e oprimidos.

Mas o pobre no Brasil, para as elites, quando não é alvo, é bucha de canhão. E, ultimamente, o pobre, assim como Freire estão sendo usados como escudos e barreiras, por alguns segmentos da classe média, que espertamente negam sua condição social (de forma camaleônica), enquanto escondem patrimônios e recheadas contas bancárias com disfarces de um linguajar popular e trajes casuais, sem etiquetas à mostra. Essas aberrações estão em vários escalões, instituições e organizações do mundo público e privado e, no campo da educação, por incrível que pareça, também acontece. Não são poucos os banquetes à custa da inanição de profissionais da mesma estatura, combatentes, que por força de se manterem aguerridos, críticos e autocríticos – ad extra e ad intra –, são condenados ao exílio e à invisibilidade institucional, sobrevivendo à custa das migalhas que sobram dos empoderados “donos” das verbas que fingem fazer a multiplicação dos pães.

O Dia dos Professores se aproxima… O que pautar e comemorar de forma unificada? A categoria é imensa, mas condições de trabalho e salários são tão diversos quanto discrepantes. No entanto, perdura um discurso hegemônico que quer nivelar a todos – intencionalmente, por baixo – para esconder realidades ultrajantes, escravidão intelectual e outros descalabros.

Idealizando a solidariedade humana, o anarquista Piotr Kropotkin, diz em Apoio Mútuo:

Não é amor, e nem mesmo simpatia (compreendida em seu sentido literal), o que leva um rebanho de ruminantes ou de cavalos a fazer um círculo a fim de resistir ao ataque dos lobos; ou lobos a formar uma alcateia para caçar; ou gatinhos ou cordeiros a brincar; ou os filhotes de uma dezena de espécies de aves a passarem os dias juntos no outono. Também não é amor, nem simpatia pessoal, que leva muitos milhares de gamos, espalhados por um território do tamanho da França, a formar dezenas de rebanhos distintos, todos marchando em direção a um determinado ponto para cruzar um rio. É um sentimento infinitamente mais amplo que o amor ou a simpatia pessoal – é um instinto que vem se desenvolvendo lentamente entre animais e entre seres humanos no decorrer de uma evolução extremamente longa e que ensinou a força que podem adquirir com a prática da ajuda e do apoio mútuos, bem como os prazeres que lhes são possibilitados pela vida social. […] não é no amor, e nem mesmo na simpatia, que a sociedade se baseia. É na percepção – mesmo que apenas no estágio do instinto – da solidariedade humana. É o reconhecimento inconsciente da força que cada homem obtém da prática da ajuda mútua; da íntima dependência que a felicidade de cada um tem da felicidade de todos; e do senso de justiça ou de equidade que leva o indivíduo a considerar os direitos de todos os outros indivíduos iguais aos seus. É sobre esse alicerce amplo e necessário que se desenvolvem sentimentos morais mais elevados (1989, p. 32).

É pesaroso utilizar uma proposição tão potente como essa para denunciar comportamentos cujos fins transgridem o que ela encerra, mas o que ocorre é tão sutil que muitos dos protagonistas desse drama imoral sequer percebem o que fazem.

Não gostaria de encerrar este texto de forma derrotista. Gramsci, Pessoa e o próprio Paulo Freire, me auxiliam a finalizar essa reflexão sonhando acordado e firme na crença de que o pessimismo para com as práticas atuais, não impedirá o otimismo da razão. Afinal, viver é preciso e esperançar também é preciso.


Imagem de destaque: Diagrama da Teoria da Ação Revolucionária. Manuscrito de P. Freire para Pedagogia do Oprimido. Fonte: Acervo Paulo Freire.

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