Brasil, um rapaz latino-americano

Tayanne Adrian Santana Morais da Silva

Com o 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil, os memes e posts informativos sobre essa data bombardearam as redes sociais. Uma rápida pesquisa nas plataformas digitais e diversas curiosidades sobre a Independência do Brasil saltavam aos olhos de muitos usuários da internet, inclusive aqueles em idade escolar. Após o 7 de Setembro, os posts informativos diminuíram e os memes foram guardados para o ano que vem, e uma dúvida pairou em minhas reflexões sobre a data: como os conteúdos escolares referentes a esse processo histórico surgem nas aulas da educação básica? E mais do que isso: quais apontamentos relevantes podem ser suscitados nas aulas de História de modo a contribuir com a formação dos meus atuais e futuros alunos?

Às voltas com a questão, me deparei com alguns recortes a respeito do contexto político e social sul-americano em 2019 – em que protestos despontaram em várias nações latino-americanas – e um questionamento pertinente de um de meus alunos me veio a mente: o “Brasil é da América Latina desde quando? A gente não fala espanhol”. O questionamento pareceu ser comum entre os colegas de sala, e para minha surpresa, percebi que muitos de meus alunos não sabiam que o Brasil, parafraseando o saudoso compositor Belchior, é um rapaz latino-americano.

Em “Renovação da História da América”, capítulo do livro História na sala de aula, Fernandes e Morais afirmam que “são muitas Américas dentro de uma América […] de tradições diferentes” mas essa diversidade é obliterada dando lugar a interpretações que, equivocadamente, tratam as nações latino-americanas como um bloco hegemônico que possui a língua espanhola como elo comum, ao mesmo tempo em que comumente aborda-se a História do Brasil, sobretudo os temas relativos ao marco temporal que abarca a Independência e o Brasil Império, sob o prisma da “constituição da identidade nacional […] e do culto aos heróis nacionais” como diria Circe Bittencourt em Identidade Nacional e ensino de História do Brasil.

Tal cenário é possível de ser repensando se, enquanto professores, enxergarmos o termo América Latina como um conceito político e identitário, enfatizando que o Brasil também faz parte do que se entende como América Latina, tendo em vista que o brasileiro parece negar suas origens latino-americanas. É preciso considerar que “a maneira de narrar a História da América também poderá revelar que tipo de imagem se forma a partir do rosto latino-americano”, superando as narrativas de vencedores e vencidos, e apresentando uma História para além da “teoria da dependência” comumente associada aos países latino-americanos, onde os alunos possam perceber, assim como propõe Bittencourt em seus estudos, a “realidade específica dos conflitos de classes do Brasil, assim como em todos os demais países latino-americanos”.

Se considerarmos as possibilidades da História escolar face a temática da Independência do Brasil e de outras nações americanas, podemos possibilitar a identificação e o estudo dos diversos sujeitos políticos, seus interesses e as camadas sociais que participaram dos movimentos de independência. Além disso, ao levarmos em conta que a História desempenha um papel fundamental na construção da alteridade, do respeito às diversidades e prepara o homem para conviver com os momentos de rupturas e continuidades ao longo do rumo da humanidade, torna-se imperativo encontrar na História da América Latina e no reconhecimento do Brasil enquanto parte dessa história, temáticas que tenham por finalidade repensar, discutir e desconstruir posturas preconceituosas, autoritárias e segregacionistas comuns às nações latino-americanas, além de promover a reflexão de caráter combativo face aos discursos excludentes que tornaram todo o histórico de silenciamentos e marginalização sobre as populações negras e indígenas latino-americanas.

Diante de um contexto em que os tentáculos do negacionismo fazem sombras em território brasileiro, é necessário reconhecer as problemáticas sociais que possuem raízes também nos processos de independência, a exemplo da limitação do direito ao voto, a inacessibilidade da cidadania para muitos latino-americanos, bem como a liberdade que ainda permaneceu restrita a poucos indivíduos, mesmo após o período das emancipações, emancipações estas homogeneizadas em diversos livros didáticos em detrimento de uma abordagem que contemple os limites das independências, nos âmbitos político-econômico e, sobretudo, social, sem recair na interpretação redutora das dependência latino-americanas.

Para além de perceber esses limites, é preciso que consideremos os desdobramentos dos processos emancipatórios da América Latina e como isso afeta os rostos latino-americanos atuais que, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, ainda enfrentam as máculas da violência perpetuada pelas raízes coloniais a que muito de nossos estudantes são submetidos diariamente, tornando o ensino de História um espaço em que a reflexão sobre o passado se relaciona com o presente, partindo de vivências, assuntos cotidianos e cenários sociopolíticos particulares da latinidade.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe. Identidade Nacional e ensino de História do Brasil. In. KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2018. p. 185-204.

FERNADES, Luiz Estevan; MORAIS, Marcus Vinícius. Renovação da História da América. In. KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2018. p. 143-162.


Imagem de destaque: Mão de Oscar Niemeyer, no Memorial da América Latina – São Paulo, SP.

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