Beto Richa e a violência do estado contra os professores no Paraná: expressão do DNA da cultura política brasileira? – exclusivo

Marcus Taborda de Oliveira

Muito se fala sobre a crise da educação e a crise da escola pública brasileira. Assim como muito se fala da falta de qualidade dos trabalhadores brasileiros. Este é um discurso recorrente de grupos governantes – é difícil caracterizá-los como elite! – que compreende a maior parte do empresariado nacional e um tipo de político profissional que tem feito todo tipo de desserviço ao país, a começar pela sanha autoritária. 

Pois nesse momento de grande refluxo conservador, no qual conquistas de tempos recentes são simplesmente banidas por operações políticas mais do que espúrias no Congresso Nacional e nas diferentes Assembleias estaduais, capitaneadas por um misto de vácuo do poder executivo central com a boçalidade de governantes locais, eis que a repressão ressurge com a força de um demiurgo adormecido.

O que se viu nas ruas de Curitiba nos últimos dias, com destaque à última quarta feira, causa asco. O inexpressivo governador do Paraná, não bastasse o mar de lama no qual seu nome se vê envolvido, assumiu claramente a sua vocação autoritária ao lançar um absurdo contingente de quase dois mil policiais contra manifestantes, na sua maioria professores da rede pública de ensino. Policiais deslocados de diferentes regiões do estado acorreram à Curitiba para “proteger” a Assembleia Legislativa do péssimo hábito que as pessoas vêm adquirindo de acompanhar o que um punhado de deputados, sem nenhum compromisso com as causas da população, decide sobre a vida dos trabalhadores. Sim, esse hábito é péssimo porque nós temos observado o exercício do poder no Brasil – principalmente no legislativo – como uma troca de favores que envolve desde dinheiro vivo até todo tipo de ação entre amigos. Ou seja, a dimensão pública do que deveria ser o fim último do trabalho das casas legislativas há muito virou piada de salão…

Pois é, a piada de mau gosto de Beto Richa, governador do Paraná pelo PSDB, aprovada ontem com dois terços dos votos da Assembleia paranaense, não significa simplesmente a retirada de direitos adquiridos dos trabalhadores do estado, o que já seria gravíssimo. Mais que isso, significa, entre outras coisas, a subtração (pode o estado roubar a população??) de recursos regularmente descontados do salário dos professores nas últimas décadas para financiar a propalada quebra do estado protagonizada pelo mesmo governador tucano.

Contra tal desfaçatez e cinismo os professores se organizaram e foram às ruas para serem recebidos não pelos deputados ou pelo governador, mas pela polícia ávida de violência. As imagens que correm o Brasil, hoje, veiculadas inclusive pela grande mídia que costuma noticiar apenas o que acontece no circuito SP-RJ, não deixam dúvidas. Além de inúmeros presos, inclusive uma vintena de honrados policiais que se negaram a reprimir os professores, mais de 150 pessoas feridas por balas de borracha, gás, spray de pimenta, bombas lançadas de helicópteros e ataques de cães. Para o (des)governo do Paraná, como sempre, a ação foi normal e os “possíveis” excessos foram provocados por baderneiros, black bocs, sindicatos, partidos de oposição e pessoas de clara má índole! Só restava aos cândidos representantes do estado a autodefesa!

O que espanta no conjunto dantesco dessa obra – desde a inépcia do governador Beto Richa, passando pelo refluxo conservador já lembrado, pela falta de qualquer apreço das casas legislativas pelos interesses da população, pela política do toma lá da cá que se instaurou como máxima daquelas casas, pela desqualificação renitente do povo como aquele que não entende os interesses do estado – o que mais espanta é a tranquilidade como uma figura que deveria exercer a direção da política no estado simplesmente recorre a práticas repulsivas que deveriam estar banidas para atuar na cena política. Mesmo sendo abjeto Beto Richa não é uma ave rara no horizonte político brasileiro. Por isso também espanta a tendência ao esquecimento que marca a nossa memória coletiva.

Se este é um país que, de fato, quer exercer a república e fortalecer a democracia, não devemos esquecer que no mesmo Centro Cívico – o nome do bairro só pode ser uma ironia! – onde ocorreu a repressão dos últimos três dias, em agosto de 1988 a cavalaria da policia militar do Paraná literalmente atropelou os professores em greve com uma violência inaudita. O governador que dava plantão naquela ocasião era Álvaro Dias, uma figura que se perpetuou no senado federal ditando regras em defesa da democracia e da governabilidade… Seria divertido se não fosse trágico!

Daquela ocasião, um fatídico dia 30 de agosto, lembro quando um policial montado, usando o corpo do seu cavalo como arma, jogou no chão uma professora idosa, em um ato inimaginável de covardia! (Quando escrevo “lembro”, não me refiro à cobertura da mídia, que blindava Álvaro Dias. Lembro porque estava lá e vi essa e muitas outras barbaridades!). Também naquela ocasião o governador confundia, em uma operação discursiva bastante conveniente, professores com baderneiros e bandidos, como faz hoje Beto Richa. Talvez não seja coincidência que os dois são do PSDB, embora à época Álvaro Dias estivesse ainda no PMDB. O que, no fim das contas, é quase a mesma coisa… Se naquele momento houve quem dissesse que ação de Dias e da sua polícia se tratava de um rescaldo da então recém superada ditadura, o que dizer hoje, quase 30 anos depois?

Assusta e é repugnante observarmos que a gestão da coisa pública no Brasil está nas mãos de pessoas com total falta de apreço pela democracia e pela república. Que a gestão do estado tente oferecer alternativas ou soluções políticas e econômicas que atendam aos interesses de determinados grupos, por mais asquerosos que sejam, isso é parte do jogo político. Como o é a reação que essas iniciativas podem provocar e a tentativa da população de reagir àquelas políticas danosas aos seus interesses. Mesmo o cinismo com o qual muitos governadores, deputados e senadores, hoje, têm se portado, pode ser um alimento da democracia na medida em que nos provoca a ficarmos atentos contra as suas formas hiperpersonalistas de apropriar o que é da nação.

O que não cabe em nenhum cálculo político – ou da política – é a desfaçatez com a qual muitos políticos (sic!) vem adotando práticas arbitrárias e violentas de exercício de poder. Nem me refiro à compra de votos, ao fisiologismo, à manipulação do judiciário etc., mas ao uso da força e da violência contra a população que simplesmente reivindica direitos. Direitos que um dia foram garantidos, inclusive, por uma constituição que há quem chame de cidadã!  Pois além de perigosa prática de rasgar a Constituição, figuras como Beto Richa combinam a arbitrariedade com a repressão e a violência, restaurando a lembrança de um tempo que nós já reivindicamos que Nunca Mais!

A situação só se agrava quando sabemos que a repressão se abateu sobre professores públicos, na sua maioria. Não bastasse a lei ter sido aprovada em uma clara e desprezível manobra do executivo e do legislativo paranaenses, a agressão aos professores se reveste de uma dimensão simbólica que muito extrapola a crueza dos fatos. Afinal, se educadores públicos são sistematicamente tratados como um obstáculo às falcatruas do poder, isso nos mostra que a educação pública talvez não seja melhor neste país não pelo tipo de educadores que temos, mas pelo tipo de governante que elegemos. Se o professor público é tratado com indiferença e violência, como fez Álvaro Dias nos anos 80 e têm feito os governos do Paraná e de São Paulo, hoje, não é de espantar que a sociedade brasileira pouco dê importância à educação e aos professores. E, se educação e professores não têm importância e podem ser agredidos nas ruas impunemente, pelos simples fato de reivindicarem que não sejam roubados pelo Estado, então este sempre será um país a conviver com o espectro do autoritarismo e da ditadura.

O repúdio às práticas arbitrárias de uma figura questionável como Beto Richa, e o nome deve ser repetido para ressoar na memória, deve ser também o repúdio às formas de fazer política que ele representa. Lembrando, sempre, que a política abjeta conta com o beneplácito de pessoas sem estatura moral para serem deputados estaduais, federais ou senadores em uma democracia, e com a anuência de algumas figuras do judiciário que flertam de maneira promíscua com os donos do poder. Ou seja, por mais sinistras que sejam figuras como Álvaro Dias e Beto Richa, eles não estão sozinhos no desgoverno do país. Eles estão acompanhados por um punhado de canalhas que fizeram e fazem do estado o quintal da sua casa, e da coisa pública o fundo comum dos seus interesses vis.

Talvez por isso eles precisem bater em professores… Afinal, o que sobraria do seu panteão de malfeitores se pudéssemos educar plenamente a população deste imenso e maltratado país? Por isso, parodiando Guimarães Rosa, é preciso alertar as novas gerações sobre as novas velhas formas de fazer política no Brasil: ser professor é perigoso…

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