Autoritarismo na formação de professores capixabas no início do século XX: que reflexões trazem para o momento presente?

Rafaelle Flaiman Lauff¹

O município de Alegre, no sul do Espírito Santo, recebeu o Primeiro Congresso de Aperfeiçoamento Pedagógico (CAP), em 1935, uma iniciativa de gestores educacionais espírito-santenses com o propósito de capacitar os professores capixabas em teorias pedagógicas e métodos de ensino considerados modernos naquele momento. O CAP² fazia parte de um conjunto de medidas que buscavam ampliar a alfabetização da população por meio de “[…] uma radical e rapida renovação nos methodos e processos de ensino empregados pelo magisterio primario […]” (1º CAP, 1935). 

Nos discursos dos gestores de ensino percebe-se o caráter autoritário do CAP. As imposições começaram para o professorado da região escolar onde ocorreu o congresso: presença obrigatória e ausência só com justificativa por motivo de doença grave ou força maior (IDEM). 

As arbitrariedades ficam explícitas nas finalidades estabelecidas para o evento, as quais excluíam discussões, controvérsias ou contribuições não solicitadas: “I) – não haverá theses nem discussões de pontos controversos; II) – não serão acceitas contribuições em conferencias, prelecções ou aulas modelos, quando não solicitadas […]” (IDEM).

Deixava-se claro, dessa maneira, a rejeição por “discussões theoricas que redundam, quasi sempre, na mais pura das inutilidades […] (IDEM). O propósito era que os professores demonstrassem uns para os outros apenas as suas práticas de ensino, observações e experimentações pedagógicas do dia a dia na escola, priorizando-se aulas-modelo (IDEM). 

João Bastos, diretor do Departamento de Ensino Público, salientou no discurso de abertura que o CAP “[…] não foi convocado para uma exhibição inútil de conhecimentos científicos e literários, nem para uma exposição de doutrinas engendradas pelo intelectualismo luxuoso e sem objetivo pratico. […] (BASTOS, 1935, p. 9). Arnulpho Mattos, diretor aposentado da EN Pedro II, recomendava, ainda, aos professores que respeitassem à hierarquia institucional e não se manifestassem politicamente em sala de aula. Dizia ser, “portanto, de grande alcance pedagogico que os educadores” estivesse sempre em “contacto respeitoso com os seus superiores hierarchicos, para coordenarem as suas idéas; que se abstenham dos movimentos partidários, para evitarem os casos políticos” (MATTOS, 1935, p. 14). 

O estudo provoca reflexões sobre a formação continuada de professores e professoras no presente. Entre continuidades e descontinuidades da história da formação docente no Espírito Santo, pode-se interrogar, por exemplo: em que medida professores e professoras têm a possibilidade de debater teses ou pontos de vistas divergentes, em ambientes de formação em serviço? As discussões teóricas têm sido vistas como inutilidades? Os professores desfrutam de liberdade para expressar suas ideias? Como se dá a formação continuada? Como se definem as diretrizes para a formação e para as práticas pedagógicas dos professores? Em que medida dialogam com os educadores? Contemplam diversidades e particularidades?

Como afirma o historiador Marc Bloch, a história é a ciência “[…] dos homens no tempo […]” (BLOCH, 2001, p. 55) e esse tempo […] é por natureza, um continuum […]” (BLOCH, 2001, p. 55). As reflexões proporcionadas pelo estudo histórico são importantes porque “[…] A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado (p. 65). Assim, é preciso que se conheça o passado para perceber continuidades, descontinuidades e permanências históricas na época atual. 

 

1Professora na Rede Estadual de Ensino do Espírito Santo. Membro do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação (Nucaphe).

*A organização do CAP aconteceu por iniciativa de João Ribas da Costa, inspetor técnico de ensino, e José Celso Claudio, diretor do Grupo Escolar “Professor Lellis”, com o apoio das prefeituras municipais de Alegre, Siqueira Campos e Rio Pardo e do governo estadual, liderado naquela época pelo capitão João Punaro Bley.

 

Para saber mais: 

BASTOS, João. Discurso. Pronunciado na installação do 1º Congresso de Aperfeiçoamento Pedagogico da 3ª região escolar, com sede na cidade de Alegre. Revista de Educação, Vitória, anno 2, n. 17-18-19, p. 9-11, ago.-set.-out. 1935. 

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

CONGRESSO de Aperfeiçoamento Pedagógico. Diário da Manhã, Vitória, ano XXVIII, n. 3079, p. 1, 28 ago. 1935a.

CONGRESSO de Aperfeiçoamento Pedagógico. Diário da Manhã, Vitória, ano XXVIII, n. 3080, p. 1, 29 ago. 1935b.

CONGRESSO de Aperfeiçoamento Pedagógico. Diário da Manhã, Vitória, ano XXVIII, n. 3078, p. 1, 27 ago. 1935c.

MATTOS, Arnulpho. Em prol do ensino. Revista de Educação, Vitória, anno 2, n. 17-18-19, p. 12-18, ago.-set.-out. 1935.

 

 


Imagem de Destaque: REVISTA DE EDUCAÇÃO, Vitória, anno 2, n. 17-18-19, s.p., ago.-set.-out. 1935d.

 

 

 

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