Associativismos Femininos: caminhos de participação política entre o Estado e a Igreja

Evelyn Orlando

A história do Paraná, após sua emancipação do Estado de São Paulo, começa em 1853 e pode ser contada e dada a ver sob recortes distintos. Nesta coluna, escolhi pensá-la a partir das mulheres, presença quase sempre invisibilizada em sua participação política. 

Abrindo o Giro do Bicentenário pelo estado do Paraná, um olhar atento para a participação feminina na construção dessa história significa considerar diferentes frentes de atuação em que as mulheres foram se envolvendo desde a segunda metade do século XIX. Nesse contexto, tenha sido pela frente da educação, das letras, da assistência, da saúde ou da cultura, elas se imiscuíram na cena pública, engajando-se na construção de um Paraná emancipado e, posteriormente, também moderno. 

Como uma sociedade fortemente calcada na religião católica, as articulações entre Igreja e Estado, mesmo depois da República, estavam fortemente alicerçadas na cultura. Nesse imbricamento, as mulheres – sobretudo, as de elite – conseguiram com muita eficácia se inserir nesse lugar de articulação entre o público e o privado, entre a família e a vida pública. Se o pessoal é político – interpretação que se consolidou no pensamento feminista – o religioso também o é. 

Não raro, os ideais de uma sociedade civilizada, autorregulada, encontravam respaldo e um campo fértil nos dispositivos morais instaurados pela Igreja como balizadores de condutas e valores que, em nome de Deus, incutiam um imaginário social a ser seguido que se refletia em práticas modelares de civilização dos costumes. Podemos dizer que Estado e Igreja, portanto, se uniram na formação do homem/mulher civilizado. 

Esse projeto, eminentemente político, diluiu as fronteiras entre o secular e o religioso na sociedade brasileira, e no Paraná não foi diferente, de modo a termos rebatimentos dessa cultura até os dias de hoje. Exemplo disso, é a ausência de estranhamento da expressiva bancada religiosa no Congresso Nacional de um Estado que se afirma laico em sua Constituição. 

E onde entram as mulheres nessa história? Ávidas por saírem de suas casas e ocuparem um lugar na vida pública de maneira legítima, muitas mulheres de elite envolveram-se com causas de interesse tanto do Estado quanto da Igreja, conquistando deste modo o apoio de ambas as instituições. Por não terem assento nas mesas decisórias, sua participação se fez, fundamentalmente, no campo da cultura. Foi a partir deste lugar que trabalharam em prol do Estado e da Igreja, mas também e, talvez, sobretudo, de si mesmas. Obviamente, essa negociação tácita teve um custo: o de modular muitas vezes o discurso e seu campo de atuação nos limites do possível, para continuar ocupando esse espaço. Entre legitimação e interdição, as mulheres da elite paranaense se moveram habilmente entre uma modernidade que buscava se afirmar conciliando conservadorismo e os ares progressistas que as atraíam para fora de seus lares.          

O associativismo feminino paranaense se articulou, fundamentalmente, em torno das letras, da educação, da ação social e da saúde, organizando-se em sociedades literárias, de assistência, educativas e recreativas, com forte viés moral ou religioso. Essas associações tinham como função a promoção da sociabilidade, integração social, defesa da educação e reconhecimento de suas integrantes como sujeitos de direito. 

A força do associativismo se mostrou eficaz e muitas dessas associações, como o Centro Paranaense Feminino de Cultura, Academia Feminina de Letras do Paraná, a Liga das Senhoras Católicas, a União Cívica Feminina e o Rotary Clube estão em funcionamento até os dias atuais. 

Pensar a presença feminina no jogo político de inserção e participação na vida pública implica considerar as negociações tácitas que fizeram para ocupar e se manter nesse espaço. Essa consideração nos ajuda a melhor compreender e problematizar a força de determinadas representações na constituição de modelos e balizas morais que buscam modelar a sociedade, não desprezando o importante papel que algumas mulheres desempenharam na manutenção do conservadorismo que hoje se impõe sob a bandeira da cruz e a Bíblia. 

Todavia, é preciso destacar também que essa cultura associativa como forma de organização política também vem impondo freios nos avanços de determinadas barbáries. Se hoje podemos ver um grupo de mulheres católicas protestando em defesa “da vida” diante de uma pauta de aborto de uma criança estuprada pelo tio (embora possamos questionar, inclusive, o conceito de “vida” que está sendo defendido nessa agenda), de outro lado temos o movimento Católicas pelo Direito de Decidir, que vem expressando a diversidade de agendas que hoje mobilizam mulheres que hoje se afirmam publicamente sob a égide da religião, sobretudo as cristãs. 

Talvez o mais importante, aqui, seja a percepção dos usos políticos da religião, tanto pelos diferentes atores e atrizes sociais quanto pelas próprias instituições religiosas como forma de exercício de um poder que se articula em micropoderes na organização da cultura e da sociedade. Nas próximas semanas, o Giro do Bicentenário trará outros e outras protagonistas, novas histórias e olhares pelo estado do Paraná. Até!


Imagem de destaque: Caroline Ferraz/Sul21

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