As universidades e seus currículos: por uma leitura humanista – I

Roberto Rafael Dias da Silva

Uma questão que traz inquietações para todos aqueles que atuam profissionalmente na educação superior diz respeito ao futuro das universidades. Assumir como tarefa uma reflexão sobre esta instituição constitui-se em um exercício para produzirmos novas interrogações sobre a formação humana, em seus variados dilemas e complexidades. No contexto brasileiro esta questão se torna mais problemática à medida em que nossas instituições, em sua maioria, ainda não completaram um século de existência. Considerando que as universidades precisam pensar a formação humana à luz das demandas do seu tempo, poderíamos interrogar: que sentidos de formação humana atualmente predominam? Quais conhecimentos e saberes profissionais são privilegiados? Como tais experiências são organizadas no interior dos processos formativos que ocorrem nesta instituição?

Em obra recente, intitulada “Da Universidade à Commoditycidade”, Lucídio Bianchetti e Valdemar Sguissardi trazem importantes contribuições para compormos um quadro de interrogações. Os reconhecidos pesquisadores brasileiros propõem-se, nesta obra, a descrever o processo de constituição das instituições de ensino superior de nosso país sinalizando para um deslocamento importante: da instituição preocupada em preservar e ampliar as fronteiras do conhecimento para um cenário de “mercadorização” da formação humana.

Para os processos contemporâneos, os autores lançam mão de um neologismo, qual seja: “Commoditycidade”. Derivado de commodity, conhecida expressão do campo econômico, o neologismo remete-se a um contexto em que “as instituições privadas de educação superior – em especial as particulares ou mercantis – vão tornar-se protagonistas de uma expansão quantitativa de instituições e matrículas sem precedentes, e de uma transformação essencial na definição e funcionamento da universidade/educação superior”.

Concordemos ou não com o diagnóstico apresentado pelos pesquisadores, algumas inquietações, em nossa leitura, poderíamos colocar em nossas agendas com certa atitude de vigilância: 1) a universidade precisa seguir preservando o pluralismo de ideias e a diversificação metodológica; 2) a universidade não é uma agência de desenvolvimento, seus efeitos de inovação derivam-se do conhecimento que preserva e transforma; 3) ainda que continue sendo um espaço de ensino e certificação dos indivíduos, sua agenda formativa é global; 4) públicas ou privadas, corporativas ou comunitárias, as universidades devem zelar pelo “cultivo da humanidade”, como relembra-nos a filósofa Marta Nussbaum.

Enfim, as interrogações sobre a formação humana que ocorre nas universidades permitem-nos problematizar as formas de organização dos currículos dos cursos, assim como as articulações entre ensino, pesquisa e extensão. Tenho a compreensão de que esta instituição precisa atualizar-se aos dilemas do século XXI; todavia, concordamos com Bianchetti e Sguissardi que o melhor caminho não se encontra na formação/mercadoria adquirida por um aluno/cliente. Junto a filósofa Marta Nussbaum parece necessário defender o conceito de “cidadania inteligente” como vetor da organização de novas experiências formativas na universidade. Vale ressaltar, para finalizar este texto, que três eixos estruturariam este conceito, quais sejam: saber científico, relação com o mundo e construção de uma cultura democrática. Que as universidades deste século, ao preservarem as demandas dos indivíduos e dos variados grupos sociais (e profissionais) não abdiquem de currículos que fortaleçam nossa humanidade!

Imagem de destaque: Andre Hunter / Unsplash www.zp-pdl.com zp-pdl.com www.otc-certified-store.com

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