As razões pedagógicas para a MP 746/2016 – exclusivo

Dalvit Greiner

Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula
porque sala de aula
Essa jaula vai virar

(Dani Black, 2014)

 

59 dias de usurpação de um governo eleito pelo povo

Pretendo fazer aqui, neste espaço, um exercício para apontar as razões da Medida Provisória 746 de 22 de setembro de 2016, a MP do Ensino Médio. No primeiro artigo discutimos as razões políticas e no segundo as razões econômicas para a medida provisória. Neste, falaremos das razões pedagógicas. Ou seja, nenhuma razão pedagógica libertadora justificaria tal medida provisória. Mas, vamos lá!

Quando lecionava Filosofia e Sociologia na Escola Municipal “Milton Campos”, lá no bairro Mantiqueira, aquela coisa de uma aula por semana no ensino médio e a gente falando durante todo o tempo que precisava de mais tempo. Tempo para questionar, discutir, debater, transigir, transgredir e tudo o mais que tais disciplinas inspiram. E quando surgem as perguntas, a gente que “só dá aula” fica muito feliz. E a pergunta? Por que a gente tem que estudar tanta matéria? Sim, a grade em que o estudante do ensino médio se prende tem, no mínimo, doze barras. A gente fica preso lá, na grade curricular. Porém, na minha opinião, doze é pouco: tinha que ter mais disciplinas, com mais tempo, com mais recursos, com mais professores, com mais e maiores possibilidades, com mais tudo.

Voltemos à questão do nosso estudante: Por que a gente tem que estudar tanta matéria? Respondi-lhe, rápida e secamente, para provocar o debate: Que futuro você quer para você? Que estaremos fazendo daqui a quatro anos (pois, meço o tempo em Copas do Mundo ou Olimpíadas: repare, os adolescentes não dão mais conta de outras marcações). Não, ainda não sabíamos que o Brasil perderia, dentro do Mineirão, de sete para a Alemanha. Ora, veja como o futuro é incerto. E o incerto baixou na cabeça daqueles meninos e meninas de 17 anos, do segundo e terceiro anos do ensino médio daquela escola de periferia. Não sabíamos. Fazíamos projeções, vagas ideias, sonhos. Se mesmo depois de um vestibular muita gente ainda muda de curso, ou seja, de rumo, imagine ainda no ensino médio.

Então, as razões pedagógicas elencadas pelo legislador ao pensar a MP 746/2016 não fazem nenhum sentido. Tentemos, antes de tudo decifrá-las. O artigo 36 fala de “itinerários formativos específicos” e nos oferecem cinco possibilidades “com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional”. A sutileza do legislador é algo incrível. A expressão “ou” é excludente e não o contrário como geralmente se pensa. “Ou”, neste caso, não representa a liberdade de escolha. O legislador não dá tudo o que é direito do cidadão adolescente e jovem. Ele dá restrições, constrangimentos à formação do estudante. Ou isto ou aquilo: no máximo dois itinerários como prevê o parágrafo 10 do mesmo artigo. Nenhum artigo da medida provisória usa a conjunção “e” para aumentar as possibilidades de acesso e aprendizagem de nossos jovens.

Dessa maneira o legislador retira toda e qualquer possibilidade de se ampliar o conhecimento ofertado mesmo que com uma hora/aula semanal para os estudantes. É um contrassenso: fala em tempo integral e abrevia o tempo e as possbilidadesdos estudantes na escola. “Ninguém é o dono do que a vida dá!”. Nenhum ser humano em qualquer lugar do globo não pode ser excluído do conhecimento e, na condição de um bem público global, nenhum conhecimento pode ser negado a ninguém. A sua aquisição e o seu consumo não provoca escassez nem rivalidades. Aliás, é a cooperação de todos, da sala de aula à cidade, que aumenta o conhecimento. Não o contrário. Assim, sua lógica de financiamento é outra e não aquela que o mercado quer.

O legislador resolveu ouvir apenas um lado – e sabemos qual lado – do tal “grande problema do ensino médio”. O lado fácil, econômico, que corta o direito ao conhecimento cortando matérias que não interessam ao empresariado nacional, pois retarda o aparecimento ou desqualifica muito essa mão de obra barata no mercado de trabalho. Por isso uma pedagogia autoritária, excludente, rápida, ligeira e restritiva. No período em que o jovem ainda processa o tédio da passagem para a vida adulta, o atual governo opta por uma pedagogia que o leva ao mercado dos empresários, antecipando seu futuro.

Por que a gente tem que estudar tanta matéria? A gente tem que estudar tanta matéria porque ninguém tem condições de antecipar o futuro, nem individual nem coletivo. Mas, abrir janelas e portas, possibilidades e conhecimentos que permitam ao jovem tornar-se adulto. Precisamos de uma pedagogia que leve os jovens ao mundo dos adultos. Para isso: democracia, tempo, investimento.

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