Aqui é assim!! (2º texto) – exclusivo

Nilton Ferreira Bittencourt Junior

Em relação a criação de um parque industrial a questão da formação de mão de obra sofre reflexos dos embates culturais. Quando estava em Macapá, havia um shopping recém inaugurado próximo ao campus Marco zero da UNIFAP. Não é marcante para os Amapaenses em geral esta questão de frequentar Shopping. Foi a primeira impressão que tive. Este era frequentado por professores da Universidade, mas não víamos muitos alunos. Víamos muitos da elite Macapaense. ‘Este é fulano, dono de revendedora de veículos; aquele é ciclano, dono de fazendas de búfalo etc’. E numa desta vezes que fui, presenciei depoimentos sobre problemas de formação que vão ao encontro de aspectos culturais velados que indicam uma possibilidade de resistência. Um empresário de Macapá dizia sobre este problema, quando da inauguração do shopping na Capital. Ele comentava à respeito do treinamento de funcionários e como isso não surtia qualquer efeito as vezes. Era como se o sujeito frequentasse o curso mas isso não o afetasse na mudança de hábitos desejados. Relatava sobre uma franquia de fast food em que o refrigerante era liberado, mas em determinado momento alguns funcionários literalmente distribuíam refrigerantes aos conhecidos e justificavam dizendo “mas não é de graça?”, sem demonstrar entendimento da lógica de liberação de refrigerante adotado pela franquia. Outro empresário completava dizendo, “esse povo não aprende, até a Coca-Cola não aguentou e fechou a fábrica no Amapá”. A frase é “AQUI É ASSIM!” reaparece ao final dos comentários.

Este tipo de situação nos leva a pensar na distância que um sistema de formação mal implementado causa entre o conhecimento real e o educacional. Falta liga entre a teoria (capacitação) e a prática na estrutura cultural. Mas a possibilidade de ser uma resistência à cultura do privado pode ser aqui inferida também.

Ao retomar a questão de que talvez o problema esteja não nos amapaenses e sim nos migrantes, isto pode ser revelador. Como disse no texto anterior, “o Amapá é uma babilônia cultural. Encontra-se brasileiros de todos os cantos, ao ponto de quando se encontra um amapaense de ‘pais e avós’ há um estranhamento”. Destes ‘estrangeiros nacionais’ há muitos paraenses, devido ao histórico de vinculação do Amapá ao Pará. Mas também há muitos maranhenses, vindo como consequência recente da criação do Estado e a influência política do presidente da república à época da criação ser do maranhão. Após ocupar a presidência este político foi senador da república, pelo Estado do Amapá de 1991 até 2014. Dizem que ao final do mandato de presidente este político trouxe um navio cheio de maranhenses para o Amapá. O fato é que há muitos aqui.

Para além da diversidade regional que invadiu o Amapá, principalmente a partir do CF de 1988, outros fatores determinantes foram sendo introduzidos e pressionam para esta mudanças. Dentre elas dois aspecto que vou destacar neste texto: O empresarial e o educacional.

Como descrito no diálogo de empresários, num shopping há um problema cultural na formação de mão de obra. E o problema pode parecer no povo, na ignorância. Mas prefiro a hipótese da resistência. Na visão do empresário, o sujeito treinável deve ser em primeiro lugar obediente. Isso eles são. Um exemplo extremado: Durante um bloco de aulas no curso de formação intercultural indígena no município do Oiapoque, lecionei 60 horas de curso em 7 dias de 8h/a e um dia de 4 h/a. As primeiras 24 h/a foram um sofrimento para mim. Eles não abriam a boca. Ou estavam entendendo tudo ou estavam entendendo nada. Minha dúvida só foi quebrada ao final do terceiro dia quando solicitei um trabalho avaliativo. Todos me entregaram e dentro do que foi solicitado. A questão foi o significado. Fizeram o trabalho, mas quando comecei a buscar aplicabilidade nas ações vivenciadas por eles, não havia conexão em muitos casos. Era como fazer um trabalho sobre cultura russa, e buscar conexão com a realidade da tribo indígena na serra do Tumucumaque. Nem o clima era possível adaptar. O trabalho teórico estava perfeito, mas não havia significação cultural. Reproduziam textos sem conectar com sua realidade. Aí caiu a ficha. Será que eles não dão conta? Ou será que a mensagem era outra? Cumpriam tarefas obedientemente, por que assim eu queria. Esta é a relação com o aprendizado “civilizado”. Estavam ali porque precisavam do título para poder dar aulas. Só isso.

O instituto modernizador iluminista vem certamente com o acesso às luzes da razão. Assim a educação está atravessada neste processo modernizador. Podemos inferir que este atraso/resistência se dá pela ausência de um processo de escolarização no Estado. E quando ocorreu foi sempre de forma precária. A qualidade (no sentido lato do termo) da educação/formação vem neste caso de elementos externos. Do extrativismo primário à criação de industrias, este modus vivente que insiste em perpetrar os amapaenses vem de fora. A expressão AQUI É ASSIM, para além da rotulagem que põe fim ao discurso, contém a denúncia de uma expropriação cultural que é permanente. Aí este discurso é para o bem e para o mal e contagia quem chega de fora. Mas este

discurso vem de fora quando falamos “Lá é assim!!”. Vive-se um descaso histórico onde os arranjos substituem o público.

E o que está em jogo é o conflito cultural de apropriação e posse. A legislação sobre os atos favorece esta interpretação de que o errado é o que está diferente do que eu conheço. Se eu conheço modos de produção onde a expropriação do modus vivente é o primeiro passo para a dominação, no Amapá isso acontece agora como acontecia em 1500 pelos bulionistas ibéricos ou em 1900 pelos industriais ingleses e em 1970 pelos capitalistas norte-americanos. O moderno é o melhor, é a novidade. Não se adaptar ao moderno é resistir no tradicional. Aqui é assim!!! Não me venha com outra lógica. Ele sabe que vai perder, porque os de fora só vem roubar cargos de liderança, com saberes que não são comuns à eles. O saber deles é menor, é inadequado é antiquado. Mas o que é a expropriação do trabalho moderno, senão um rearranjo do poder aristocrático?

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