A PL 103/2015 e a pauta da educação no Rio Grande do Sul – exclusivo

Marlos Bezerra de Mello

Uma proposta da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul está ganhando repercussão e causando polêmica na imprensa nacional. Trata-se doProjeto de lei (PL) 103/2015, pois uma das suas principais intenções é permitir que pessoas físicas e jurídicas estabeleçam parcerias estratégicas com as escolas públicas estaduais, tanto para melhorias na infraestrutura das instituições,quanto para a aquisição de materiais para uso dos alunos e professores.

Dentre as ações eleitas como prioritárias pelo governo, e que poderão ser compartilhadas com a comunidade gaúcha por meio da PL 103/2015, visando à contribuição para uma possível melhoria imediata da qualidade do ensino da rede pública estadual, estão as seguintes:

1 – Doação de recursos materiais às escolas estaduais, tais como equipamentos e livros;

2 – Patrocínio para a manutenção, conservação, reforma e ampliação das escolas estaduais;

3 – Disponibilização de banda larga, equipamentos de rede Wi-Fi e de informática, tais como computadores, notebooks, tablets, roteadores, entre outros;

4 – Promoção de palestras de cunho didático pedagógico sobre temas de interesse dos alunos e professores;

5 – Outras ações indicadas pelas direções das escolas com aval dos conselhos escolares.

A adesão e participação de pessoas físicas e jurídicas no programa, Escola Melhor: Sociedade Melhor, pode ser a oportunidade que faltava para que pessoas como você e eu pensássemos em voltar às instituições de ensino que um dia frequentamos diariamente em um determinado momento de nossas vidas.

Digo isso porque, em uma primeira leitura, fiquei espantado com a PL 103/2015. Logo pensei em se tratar de mais um projeto querendo dar de presente para a iniciativa privada a responsabilidade pela educação pública. Mais uma forma de privatização descabida. No entanto, ao mesmo tempo em que tive essa sensação, pensei comigo mesmo em como o Secretário Vieira da Cunha, uma pessoa séria e respeitada no Rio Grande do Sul, estaria querendo colocar para negócio a gestão das escolas estaduais?

Para mim parecia inadmissível qualquer espécie deinterferência da iniciativa privada na gestão das escolas públicas e, ou eu estava muito enganado em relação ao Secretário, ou não havia interpretado/compreendido bem a sua ideia. Nesse momento resolvi parar tudo e tentar entender o que havia lidosobre a proposta e ler novamente o projeto da Secretaria da Educação. E foi nesse momento que a leitura se fez um convite para mim, explico: havia mais de 15 anos que não voltava à escola pública na qual estudei durante todo o antigo ensino de primeiro e segundo graus (atualmente é tratada como a educação básica), e mais alguns anos que nem se quer sabia notícias sobre aquele espaço formativo/educativo tão importante na minha vida pessoal e profissional.

A leitura do projeto de maneira mais atenta e objetiva, me detendo no significado e no que poderia representara proposta do Secretário da Educação me sensibilizou e, de repente, as palavras da PL 103/2015se tornaram mais aceitáveis, pois,embora eu não estivesse convencido de que este seria o melhor caminho, comecei a pensar numa remota possibilidade de dar certo. Ou seja, de quem sabe dar uma chance a essa proposta e não ver ela apenas como mais uma iniciativa do poder público de “lavar as mãos” em relação à educação.

O fato de tentar não me custaria muito, talvez um pouco em virtude do tempo, mas como dar uma chance a uma proposta, como aceitar um convite se eu não estiver disponível/disposto? Bem, eu precisava fazer concessões.  E a primeira delas era procurar saber notícias a respeito da escola estadual que estudei durante a década de 1990 em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul.

Das lembranças que eu tinha da época, e que me permiti recordar nesse exercício mental, a que mais me chamava à atenção era a de que se tratava de uma escola muito grande, com muitos alunos e que funcionava nos três turnos. A escola se chamava Justino Quintana e ficava há umas cinco quadras da casa onde morava com meus pais. Tínhamos salas de aula boas, uma quadra de esportes gigante e ginásio coberto, um auditório praticamente novo que tinha sido reformado para projetos de arte, teatro e música, um principio de laboratório de informática e laboratórios de física, química e biologia e mais uma biblioteca bem cuidada e conservada. Talvez eu esteja exagerando nas minhas memórias, mas, contudo, acredito que era uma boa escola.

Depois desse primeiro exercício procurei pesquisar na internet sobre a escola e ai que tive uma surpresa muito triste, pois há mais de 2 anos que ela esta fechada, impossibilitada de receber alunos e alunas por estar interditada devido, talvez, ao total descaso das autoridades responsáveis pela instituição que a deixaram ser sucateada ao longo dos anos, não por vontade própria, possivelmente, mas pelo despreparo, pela falta de comprometimentocom a gestão da coisa pública e por deixar que uma escola tão importante para a comunidade acabasse dessa maneira. Das notícias que recuperei, fiquei sabendo que a direção da escola e a Secretaria Municipal da Educação estavam tentando realocar os mais de 1.600 alunos que a Escola Estadual Justino Quintana já não podia atender.

Como pessoa que sempre acreditou na escola pública, eu me senti desolado. como ex-aluno da escola eu fiquei muito triste por também não ter dado atenção, não ter percebido e nem sequer um dia cogitado revisitar e me solidarizar aquele espaço no qual fiz meus primeiros amigos e tive os primeiros passos de inserção na sociedade. Daquele momento em diante constatei a importância e a emergência do Programa Estadual Escola Melhor: Sociedade Melhor,da Secretaria da Educação e do Secretário Vieira da Cunha, pois como é possível que as comunidades vejam as suas escolas simplesmente serem abandonadas, interditadas, fechadas por problemas de manutenção e infraestrutura? Trata-se do descaso, das autoridades? Sim, também, mas da própria comunidade escolar, que são principalmente as pessoas que fazem parte, que convivem e/ou conviveram um dia, diariamente com a escola.

Há anos atrás talvez fosse totalmente descaracterizada, ou talvez impensável a ideia de um Projeto de Lei que parece flexibilizar o poder do Estado convidando pessoas físicas e jurídicas para investirem em setores nevrálgicos do governo, no entantoa PL 103/2015 nascede uma postura de humildade da Secretaria da Educação que está assumindo que não tem condições, no atual momento político-financeiro, de dar o mínimo de sustentação as suas escolas. Trata-se que é público e notório os problemas de gestão financeira do Estado do Rio Grande do Sul. Mas o que fazer em relação as nossas escolas? Pois, sim, elas são do Estado e, portanto, de todos nós, ou estou enganado? Deixar que todas sejam interditadas? Como foi com a escola onde estudei, acho sinceramente que essa não é a melhor solução.

Como eu já havia citado acima, a escola na qual estudei se chamava Professor Justino da Costa Quintana (foto abaixo), e a ele quero dedicar esse artigo, pois foi ele um importante Deputado e Secretário da Educação do Rio Grande do Sul no governo de Leonel Brizola. Durante a sua gestão da pasta foi idealizado um Plano de Expansão do Ensino que permitiu ao Estado ampliar o número de escolas que era de 1.795, quando tomou posse, para 4.500 escolas quando passou o cargo. Justino Quintana deixou claro em palavras transcritas pela Revista do Ensino que assumindo a Secretaria da Educação e Cultura precisou chamar a comunidade e explicar o Plano de Expansão do Ensino e, principalmente, contar verdadeiramente com o esforço e com a colaboração de todas as pessoas que se dispuseram a cooperar com o Plano Educacional para o Estado inteiro, ou seja, para a descentralização das escolas, que era uma das principais metas do governo de Brizola que chegou a celebrar a criação de mais de 2 mil escolas em 2 anos de gestão.

E a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul ainda registra um aspecto da sua gestão que aqui quero rememorar:

O Dr. Justino Quintana em seu mandato como Secretário da Educação, graças ao seu espírito dinâmico e empreendedor, sua grande capacidade de trabalho e sua dedicação à causa pública, realizou excelente obra de vulto educacional levando a Secretaria da Educação à realização plena de suas funções, ao encontro de seu verdadeiro sentido. (Revista do Ensino, n. 87 de setembro de 1962)

A escola onde estudei foi uma das mais de 6 mil escolas criadas no governo de Brizola. Foi considerada na sua inauguração uma escola modelo, uma das principais obras do Estado localizada em Bagé, mas tantos anos depois, por não receber os devidos cuidados, esta fechada. Não sei dizer ao certo se um dia reabrirá suas portas e receberá alunas e alunos para o bem aprender. Por enquanto, é uma pergunta sem respostas. Mas o que temos de concreto é um Secretário da Educação do Estado nos chamando a colaborar, a cooperar com um projeto de educação que pretende iniciar, nas suas palavras…

…uma grande campanha para que a comunidade gaúcha colabore, em um verdadeiro mutirão para recuperação da estrutura das nossas escolas. Há muitas pessoas que hoje são o que são porque tiveram oportunidade de estudar em uma escola pública, e que muitas vezes gostariam de colaborar e não sabem como fazer. Nós queremos que a sociedade participe desse processo de melhoria da infraestrutura da nossa rede, convidou Vieira da Cunha.

E desta campanha possivelmente solidária, humilde e de sensibilização, pode nascer à solução para um dos principais problemas das escolas públicas gaúchas. É essa a esperança otimista que compartilho por meio deste texto.

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