A estética do atraso

Aleluia Heringer

A imagem de adultos fazendo gestos com as mãos simulando uma arma é decadente. Quando crianças, incentivadas por adultos/autoridades, fazem o mesmo, é sofrível! A arma sempre aterroriza e traz sentimentos ruins, ela não pode significar nada de bom. Simboliza, anuncia e tem cheiro de morte. Não traz cura, não restabelece, edifica ou promove. Ela é sempre utilizada quando já não há mais diálogo, juízo e normalidade. Ocupa o vazio deixado pelo Estado naquilo que faltou de investimento em políticas públicas voltadas para a educação, segurança, geração de emprego ou inclusão social.

Se ela hoje é invocada e posta nas mãos do cidadão comum como a solução dos problemas de segurança pública, é porque retrocedemos. É a estética do atraso. Veio em minha memória a vinheta que tocava na abertura do Globo Cor Especial – em 1973: “Não existe nada mais antigo do que cowboy que dá três tiros de uma vez”. Ou seja, há quase cinquenta anos, já se cantava o atraso de um tempo em que se resolviam as coisas eliminando as pessoas. Pensar um projeto que garanta a segurança do cidadão é de alta complexidade e contempla inúmeras variáveis. Dá trabalho e exige muita inteligência. Facilitar o porte e uso de armas é fácil.

Mesmo em um cenário em que a arma se faz necessária, somente pessoas equilibradas e bem preparadas técnica e emocionalmente é que deveriam manejá-la. Sabemos que estamos longe de ter pessoas com juízo andando pelas ruas ou no campo. Esse é o mundo do crime, não falo a partir dele, mas a partir da escola.

Crianças aderem facilmente a modinhas, e hoje isso é o que não falta. Modinhas que cheiram à destruição da vida. Nunca se ouviu falar tanto em automutilação, suicídio, “matar colegas”, botar fogo em escola. Nesse delicado contexto social, o que menos precisamos é louvar o porte de arma. Ao contrário, “há que se cuidar do broto, para que a vida nos dê flor e fruto”.

Educadores são incansáveis em ensinar a solução de problemas de forma respeitosa. Prevalece nas escolas a recomendação de não permitir brinquedos semelhantes a armas, afinal essa não é opção para a mediação de conflitos. Levamos anos para que os estudantes entendam isso. Às vezes, essa luta é inglória quando a escola está situada em áreas onde as crianças e os jovens, por total falta de perspectivas, são disputados e seduzidos pelo tráfico. São eles que irão compor as estatísticas: a cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil.

Esses gestos dos dedos simulando uma arma já se tornaram estranhos para nós. Que bom que seja assim. Olhamos para as cenas e vemos a materialização de uma estrutura mental e emocional diferente daquela que construímos a duras penas com a educação. Ela não pode nunca ser bem-vinda!


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