A EJA, a pandemia e o pandemônio

Ramuth Marinho*

A grande maioria dos educadores ou educandos que tenha frequentado o espaço escolar ofertante de à Educação de Jovens e Adultos (EJA) provavelmente constatou a diferença de condições em que ocorre tal modalidade. A começar pela horário em que normalmente a EJA acontece: ainda que um número grande de jovens, adultos e idosos  tenham o seu tempo menos “comprometido” com a sobrevivência no período noturno – e em que os sistemas públicos educativos concentram seus esforços de atendimento – também existe nos tempos atuais, uma outra grande parcela da população brasileira que demanda de outras temporalidades para tentar efetivar o seu direito constitucional à educação .

E mesmos esses educandos que conseguem se organizar para frequentarem essa (ainda) parca oferta da EJA, encontram outras diferenças, se comparadas com os outros turnos: um espaço escolar construído e organizado para corpos menores e para outras etapas educativas; uma merenda escolar totalmente insuficiente em quantidade e qualidade, para pessoas que trabalham em atividades laborais mais pesadas e/ou pessoas que não têm cotidianamente suas necessidades alimentares básicas preservadas.

Também não é incomum encontrarmos escolas – pelo menos na região metropolitana de BH – que tenham boas bibliotecas, laboratórios de informática, sala de artes, ginásios cobertos, sala de projeção, etc. disponíveis para os/as estudantes do ensino fundamental diurno e vespertino, mas interditados para os estudantes da EJA, seja pela falta de educadores que ajudam a organizar esses espaços no período noturno, seja pela inadequação da proposta pedagógica concretizada pelos educadores ali presentes.

E aqui merece um destaque, para a CONCEPÇÃO educativa de alguns/algumas educadores/as que atuam na modalidade: pior do que reduzir a experiência educativa com EJA em uma cópia acelerada do trabalho a ser realizado com as crianças e adolescentes, é negar as características reparadoras de direitos e emancipatória da EJA! Já fui testemunha ocular de educadores/as que atuavam na EJA de Belo Horizonte e que ESCAMOTEARAM a iniciativa (rara) da administração pública de realizar o chamamento público, já que com isso, segundo estes/as “professores/as”, “a escola poderia encher com marginais”.

Tudo isso é para dizer que não é de hoje que a EJA é secundarizada nas políticas públicas educacionais e também, nas prioridades reivindicativas da sociedade civil organizada. E em tempos de pandemia provocada pela COVID-19, com uma gestão do governo federal pandemônica – e aprendi em uma “live” com a professora Analise da Silva, “que pandemônio” foi um neologismo criado pelo poeta inglês John Milton (1608-1674), fazendo referência ao Palácio de Satã – o risco de aprofundarmos os processos sociais excludentes e solaparmos ainda mais a EJA é eminente!

Até o momento, os resultados das pesquisas realizadas por diversas instituições sobre o ensino remoto emergencial (ERE) adotados por vários governos estaduais e municipais ou a proposta de manutenção de interação social entre as unidades escolares e as diversas comunidades locais, adotados por outros, têm se mostrado bem acanhadas,  considerando-se o alcance e a efetividade dessas propostas para o ensino fundamental/ médio. Na EJA o quadro ainda é mais dramático.

Primeiro, porque muitas dessas iniciativas adotadas pelos governos – sendo que NENHUMA proposta de ERE foi construída em diálogo com os/as educadores, educandos/as e/ou seus representantes – simplesmente desconsideraram a existência da EJA, até mesmo para os programas de auxilio emergenciais aos educandos/as: para muitos prefeituras e Estados deste país, o/a estudante da EJA somente existe quando se torna necessário o corte de investimentos na educação – e o consequente fechamento de turmas – e a modalidade tem a triste primazia dessa ação.

Mesmo naqueles estados e munícipios em que a EJA foi inserida nos programas emergenciais de auxílio, no ERE, ou na interação social com a comunidade escolar, o que prevalece é o DESCONHECIMENTO das especificidades da modalidade: tem adaptações e resumos feitos de forma apressada a partir do material enviado para o ensino fundamental diurno ou ensino médio; tem envio de apostila par aos estudantes da EJA, idênticos aos enviados aos outros níveis e modalidades; tem proposta de certificação acelerada à revelia da vontade dos/as estudantes e avaliação dos/as educadores…

E o desafio se configura ainda de forma mais complexa… Algumas experiências de interação educativa durante a pandemia com os/as estudantes da EJA – ainda que considerem a necessidade de construção de uma comunicação e de materiais de apoio em consonância com as particularidades de cada sujeito/a; ainda que se organizem em  diversas formas de interação, para além do óbvio informacional e de “internet”; e que ainda tentem   estruturar proposta de interação de acordo com os apontamentos realizados pelos/as próprios estudantes – tem esbarrado na dificuldade de disponibilização do tempo dos sujeitos/as educandos/as para essa proposta e no acesso restrito desse/as aos instrumentos e mecanismos basilares para esse processo.

O pandemônio social trazido pela pandemia da Covid-19 – e catalisado pela necropolítica do governo federal e de alguns outros governantes infraconstitucionais – atingiu fortemente grande parte da população brasileira e em especial todos/as esses potenciais educandos/as da EJA. O grande objetivo para esses/as é reorganizar suas vidas já difíceis, reduzindo os parcos recursos e PRIORIZANDO a luta cotidiana da sobrevivência.

Nesse contexto de alargamento da urgência presente, a EJA como possibilidade de ampliação de horizontes futuros, poderá ser erodida significativamente.

* Professor da Rede Municipal de Educação de BH.  Membro do Comitê Mineiro da Campanha Nacional pelo direito à Educação; do Fórum Metropolitano de EJA e do Fórum Estadual Permanente de educação de Minas Gerais – FEPEMG.


Imagem de destaque: Daniel Chekalov / Unsplash https://zp-pdl.com/how-to-get-fast-payday-loan-online.php https://www.zp-pdl.com https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php http://www.otc-certified-store.com/cholesterol-medicine-usa.html

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