A educação no sesquicentenário e as projeções para o bicentenário da independência

José Antonio Sepulveda*

Denise Medina França**

Em 2018, durante a campanha eleitoral para a presidência da república no Brasil, o candidato Jair Bolsonaro, vitorioso no pleito, se destacou com uma proposta de educação que fazia referência ao período da ditadura no Brasil (1964-1985). Segundo ele, a educação brasileira é uma das piores do mundo, em grande medida, por estar contaminada pelo “viés ideológico” do educador Paulo Freire. Passada a eleição, a narrativa em questão ganhou ainda mais força. Em pronunciamento reproduzido pelo Portal G1, em 16 de dezembro de 2019, referente à programação da TV Escola, Bolsonaro declarou que esse canal era “totalmente de esquerda” e culpava Paulo Freire por tal efeito. Ele o chamou de “energúmeno, ídolo da esquerda”, por isso iria mudar a programação do citado canal. Segundo ele e ao grupo ideológico que o apoia, conhecido no meio jornalístico como “Gabinete do Ódio”, existe hoje, nas escolas brasileiras, um processo de liberação da sexualidade e apologia a homossexualidade e que os governos de esquerda promovem uma sexualização, ou melhor, uma homossexualização precoce nas crianças e que esse processo está destruindo as famílias brasileiras.

Para o novo presidente, a forma mais eficaz de resolver o problema da doutrinação e da chamada ideologia de gênero é se inspirar nas escolas militares e nas propostas de escolarização do período autoritário (1964-1985). Dessa forma, a apologia à ditadura e à tortura não são os únicos objetos de adoração do atual presidente da República brasileira. Suas declarações sobre educação nos dão indícios de que o modelo do período ditatorial é também objeto de sua afeição. Por isso, entender o projeto educacional da ditadura no período, em especial os anos 1970, nos parece fundamental para a compreensão do sentido atual de educação nacional.

Outro fator importante desse governo, que já vem sendo explorado por seus aliados, é o fato de sua gestão terminar no ano da comemoração do Bicentenário da Independência (2022). Apesar dos esforços de forças progressistas em tomar para si o controle e a narrativa de tal efeméride, será no governo de Jair Bolsonaro que ocorrerão as comemorações. O atual governo brasileiro defende a tese de se fazer uma moeda comemorativa dos 200 anos da independência com o rosto de Bolsonaro. Ou seja, estamos na iminência desse governo comemorar o bicentenário da independência coroando a narrativa política do presidente, a qual faz referência ao período ditatorial em que, coincidentemente, também ocorreu a efeméride do Sesquicentenário da Independência.

Diante do exposto, consideramos de significativa relevância alertar a sociedade sobre os riscos do atual mandato do executivo repetir as ações da ditadura, ou seja, utilizar as efemérides como marcas visíveis e fundantes para o discurso pretendido, com uma forte marca pedagógica de caráter moralizante, fazendo circular um projeto de nação diretamente ligado a um projeto de regeneração da sociedade, supostamente corrompida (ou em risco de ser) pelo comunismo.

Com relação a proposta de educação do atual governo, além das escolas cívico-militares, tramita hoje no congresso diversos projetos de lei no sentido de criar disciplinas escolares que atendam as propostas do governo, como um possível retorno da disciplina Educação Moral e Cívica, assim como no tempo da ditadura apoiado por setores religiosos e militares. Tais propostas recuperam de forma significativa o discurso oficial do Estado Brasileiro por ocasião das celebrações do sesquicentenário. Cabe ressaltar que a veneração de Bolsonaro ao período ditatorial invisibiliza uma realidade dura e violenta que se vivia no Brasil dessa época, em especial quando da ocorrência dos Atos Institucionais que foram impostos pelo poder executivo no período de 1964 a 1969. Inclusive representantes do legislativo que apoiam o atual governo já defenderam publicamente o retorno do Ato Institucional n. 5, o mais repressivo de todos, que legitimava de forma efetiva a cassação de direitos da sociedade brasileira.

Tendo em vista as afinidades do atual governo com a ditadura encabeçada por militares no período de 1964, e suas apropriações da efeméride do sesquicentenário, precisamos verificar se o atual governo tomará atitudes semelhantes. O Estado militar fez uso de representações da efeméride dos 150 anos da Independência no que concerne à defesa e promoção do regime, estimulando o nacionalismo e o patriotismo. Para isso, entendemos que tal problemática esteve marcada por um conjunto de ações de diferentes agentes políticos: festas, datas cívicas enaltecidas em comemorações escolares, músicas cívicas que faziam sucesso, entre outras estratégias de difusão dos ideais do regime. Além obviamente de um reforço no controle político e ideológico das escolas.

A pergunta que fica a ser respondida pela história: será que o governo Bolsonaro fará uso da efeméride do bicentenário para robustecer o seu projeto de poder? Lembrando que em 2022 teremos eleições presidenciais. Veremos…

*Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense Professor Adjunto IV da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, história, política e políticas educacionais. É coordenador do Observatório da Laicidade na Educação OLÉ/UFF. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisa: Os Impactos do Conservadorismo e Educação Brasileira – GEPCEB da UFF. É sub-líder do Grupo de Estudo e Pesquisa Gêneros, Sexualidades e Diferenças nos Vários ESpaçosTempos da História e dos Cotidianos – GESDI da UERJ/FFP.

**Prof.ª Adjunta do Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino-DEAE- área educação matemática- UERJ-Maracanã

​Pesquisador ​Programa de Pós-Graduação em Educação – ProPEd- Linha: Instituições, Práticas Educativas e História

Orcid Id: https://orcid.org/0000-0002-1649-5816

CV: http://lattes.cnpq.br/4540272100520547

GHEMAT- Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil

NEPHE- Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação

Cel. 21 99924-4779


Imagem de destaque: Charge publicada pelo Jornal Opinião em 1973. A charge é uma critica à estratégia do governo brasileiro para melhorar a imagem do Brasil no exterior. A atriz Ginger Rogers foi escolhida pelo dono da segunda maior rede de lojas americanas a vir ao Brasil para preparar uma grande campanha de divulgação dos produtos brasileiros em seu país. Com apoio do governo brasileiro, a propaganda destaca o interesse em melhorar a imagem do Brasil no exterior, destacando, ainda, a proposta política do país. Fonte: Jornal Opinião, 20 de dezembro de 1972 a 01 de janeiro de 1973, edição 08, p.20. (Acervo da Biblioteca Nacional)

 

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