A Educação de Jovens e Adultos em tempos de pandemia no contexto brasileiro

Maria Marlete de Souza*

Com o início da pandemia do Novo Coronavírus no Brasil em março de 2020 e o fechamento das escolas, houve uma grande preocupação com a Educação Básica principalmente nas escolas públicas em todo país. Nessa ocasião, algumas instituições ainda não haviam iniciado as aulas na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. A solução encontrada para resolver o problema foi a implementação das aulas remotas emergenciais e a partir dessa decisão, surgiram vários questionamentos em relação à precariedade estrutural das escolas públicas, que não acompanham o desenvolvimento da tecnologia. Assim, assistimos, através dos meios de comunicação, a triste realidade enfrentada pelos Estados e Municípios ao tentar dar continuidade às aulas para a população que depende do ensino público em meio à pandemia.

A tentativa de implementação das aulas online descortinou as desigualdades sociais graves que já fazem parte do cotidiano da população vulnerabilizada. Dessa forma, o ensino remoto durante a pandemia constitui um grande desafio para os profissionais da educação, pois a maioria não estava, e continua não estando, preparada e não tinha, e continua não tendo, as ferramentas adequadas para dar início ao trabalho. Para grande parte dos estudantes, o acesso às aulas remotas se tornou um pesadelo pela falta de dispositivos eletrônicos, recursos computacionais e internet banda larga. A educação é um direito humano e social e, por isso, ela deve ser de qualidade em todos os aspectos, com aportes tecnológicos adequados nas escolas e nas mãos de estudantes e professores motivados e preparados para ensinar e aprender. O que está provado é que as ferramentas digitais são importantes fontes de pesquisa e interação entre escola, professores e estudantes e que a educação, atual e do futuro, contará cada vez mais com elas. O que se espera é que essa experiência possa despertar a atenção e conscientização do poder público para a realidade das escolas públicas em todo país. Se as aulas remotas constituem um problema para a população mais jovem que normalmente tem facilidade de manejo com os equipamentos eletrônicos, imaginem para os sujeitos educandos e educandas da EJA, adultos ou idosos, que têm menor familiaridade com as novas tecnologias… É sobre esses sujeitos de direitos que vamos falar agora.

A Educação de Jovens e Adultos é formada por uma população de trabalhadores estudantes composta por jovens, adultos e idosos, maioria negra e com histórico de vulnerabilização social, que precisou interromper os estudos para trabalhar, cuidar da família, exercer a maternância, ajudar no sustento da casa, dentre inúmeras outras situações dificultadoras. A pandemia do Novo Coronavírus vem se somar à essa desigualdade social que perpassa os sujeitos da EJA, traçando um quadro que os deixa ainda mais invisibilizados. Grande parte desses sujeitos é composta por idosos, o que contribui para as dificuldades com o acesso às aulas online pela falta de equipamentos e habilidade em manejá-los, além da dificuldade de aquisição de internet que dá acesso às aulas, o que demanda tempo e depender da ajuda de terceiros.

Um dos aspectos positivos da EJA, além do acesso à educação, são os encontros diários dos educandos e educandas, o que constitui um fator importante no que se refere ao convívio e interação social. O que se percebe é que para os sujeitos mais jovens o tempo é imprescindível, visando cumprir os anos necessários para concluírem a Educação Básica, enquanto que para os sujeitos mais idosos, além do interesse em aprender, vão em busca de outro bem precioso: o convívio com seus pares. Esta questão se justifica porque muitos deles vivem sozinhos ou em companhia de parentes mais jovens que trabalham durante todo o dia, o que impossibilita a interação plena. Essa interação com os(as) colegas e professores(as) é muito importante para esses sujeitos, pois constitui um escape da solidão e da rotina em casa. Nesse sentido, a escola é vista como um território de construção de identidades, mesmo se tratando de diferentes convivências etárias. Com suas normas institucionais e funcionais com reflexos em nossa sociedade, a instituição absorve esses sujeitos sociais, políticos e culturais, que tentam se adequar a ela e, ao mesmo tempo, levam para dentro desse espaço as culturas, os anseios e as expectativas com relação à educação. Esses sujeitos estão dialogando com e na escola e esta também precisa estar aberta a essa troca de conhecimento.

Em conversa com uma educanda de 54 anos, matriculada em uma turma na EJA do Centro Pedagógico da UFMG, a mesma relatou que as aulas foram iniciadas no sistema remoto no segundo semestre de 2020, mas que estava se sentindo muito só e o que ela mais queria era estar com suas amigas em sala de aula. Em outra ocasião, em que tive contato com estes educandos, pude perceber o quanto é importante o convívio entre eles, considerando experiências tais como o preparo do café em sala, o lanche coletivo, a solidariedade com o outro; tudo é aprendizagem. Faz parte da aula o sapatinho de crochê para o netinho que vai chegar, mais um cômodo da casa que está sendo construído, uma receita nova de bolo para o lanche da noite. Desta forma, percebemos que a EJA é muito mais que escolarização; é também lugar de inclusão de jovens, adultos e idosos, espaço de encontros, reencontros e reconhecimento. Trata-se da dimensão social da aprendizagem que não tem feito parte do contexto de pandemia do Novo Coronavírus.

Esperamos ansiosos pelo fim da pandemia. Com o mesmo anseio, os educandos e educandas da EJA guardam inúmeras histórias para contar e fotos para mostrar, além de muitos braços para abraçar.

* Especialista em Gestão das Instituições Federais de Educação Superior (FaE/UFMG), Mestra em Educação (FaE/UFMG), Servidora pública (UFMG)


Imagem de destaque: Lúcio Bernardo Jr / Agência Brasília

 

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