A Educação como morada da Ética

Amauri Carlos Ferreira*

A morada da Educação é ética e a morada da Ética é o outro. A palavra morada remete ao termo grego ethos (costumes). A Ética nos remete a esse termo. Quando abordamos a reflexão sobre valores, estamos construindo e reconstruindo essa morada que nunca está terminada para o ser humano. Por ser uma construção inacabada, tem no outro sua origem e extensão. O outro torna-se fundamental, uma vez que não existe Ética sem o outro. Não existe relação ética sem a legitimação do outro. Daí a importância de se compreender e legitimar criticamente as autoridades responsáveis pelo processo educativo.

É no encontro com o outro que essa morada se objetiva, a partir de valores que foram formados ao longo do tempo em instituições como a família, a religião, a educação, entre outras. No espaço escolar, a aprendizagem de outros valores configura o modo de se fazer pertencer ao mundo. A relação com o outro vai sendo apresentada a partir de uma ação mediada por princípios derivados de conquistas. Os princípios que alicerçam essas conquistas são derivados de direitos como igualdade, liberdade, pluralidade, justiça, autonomia, solidariedade, tolerância e paz. Eles devem fazer parte desse processo contínuo no ato de educar. A continuidade desses princípios, e sua conservação pelas gerações, ocorre mediante o aprendizado de uma vida boa e livre.

O esquecimento da prática da liberdade nos faz esquecer de um dos princípios cruciais para uma vida ética: a justiça. Essa associação da liberdade com a justiça não é nova no caminho de uma postura ética. O século XIX a eternizou na venda dos olhos da deusa da justiça, mas o século XX a esqueceu. A experiência violenta do século XX em suas guerras, no aparecimento de uma sociedade de massa, de uma sociedade cujo controle se objetivou nas principais instituições de formação, tornou o outro um objeto e no fim século XX fez nascer uma geração sem o outro.

Como não existe Ética sem o outro, é pela Educação que nos tornamos livres e justos. Não se nasce livre, aprende-se. A liberdade como um dos ideais republicanos e como um princípio que se ancora em uma unidade de referência valorativa tem nos ensinado que sua prática ameniza impulsos violentos.

Há uma necessidade de aprender a agir a partir de princípios e não apenas por regras. Viver seguindo as regras sem pensar sobre elas e sobre si mesmo é tornar a morada algo fixo, puramente heterônomo. Constata-se, assim, que a formação tem sido para o cumprimento de regras e não para uma vida boa, autônoma.

Há uma composição de fatores para a arte do bem viver a partir de princípios. A escola é uma das responsáveis para que essa aprendizagem a partir de princípios ocorra. Nela, o outro (criança/adolescente) entra em cena e um senso de responsabilidade se objetiva. A formação de valores se ancora no cuidado que é a base de sustentação do ato de educar. A palavra cuidado, em sua origem latina, nos remete à coera (que vai proporcionar a cura). Na área da saúde é uma tentativa de, ao se curvar ao outro, lhe proporcionar um alívio ao seu sofrimento. Na Educação, pressupõe um curvar-se ao outro, recém-chegado ao mundo, em uma atitude de conduzi-lo a outra experiência diferente daquela vivida. O outro está em uma configuração de aprender a cuidar da morada provisória: o mundo. Esse é um processo de aprendizado de longo prazo. A Educação tem como elo a formação do outro. Não há Educação sem o outro, como também não há Ética sem o outro.

Que outro é esse de que falamos na escola atual? O outro que pertence à condição humana, em que a alteridade se transforma em diversidade. O outro em que precisamos construir uma identidade positiva, acompanhando os passos no tempo de sua construção autônoma. Um outro que toca nossa sensibilidade e nos indaga do seu lugar de gênero, de sexualidade, de etnias diversas. Um outro que, ao habitar o mundo e a escola, nos ensina a que veio.

O outro diverso, que passou a habitar o espaço da escola em um processo longo de lutas e conquistas, demanda dos educadores uma relação cuidadosa. Assim, torna-se fundamental o princípio do respeito. Essa diversidade pode ser compreendida de forma mais geral ao explicitar as diferenças em relação aos outros. Ferreira e Gomes (2011) afirmam que o diverso, mesmo sem consciência de sua razão de ser, é evidenciado e classificado em grupos/coletivos que o representam. “A diversidade inclui a construção social, histórica e cultural das diferenças. Aponta o pertencimento dos sujeitos sociais e coletivos que buscam se fazer respeitar pelas diferenças que possuem” (FERREIRA & GOMES, 2011, p. 73).

O ethos diverso tem ensinado que, para além do reconhecimento das diferenças, a morada em construção é estar aberto a um processo contínuo de aprendizagem que coteja os horizontes da liberdade. O ethos como morada, em seu processo inacabado, trouxe para si o diverso. O outro da Ética na escola precisa ensinar e aprender com o diverso, tendo em vista que a linha demarcatória da exclusão deve ser rompida.

Referência:

FERREIRA, Amauri C & GOMES, Nilma L. A morada Docente nas Trilhas da Diversidade.In: PASSOS,Mauro(org.). A Mística da Identidade Docente-Tradição, missão e profissionalização. Belo Horizonte: Fino traço,2011.

* Professor de Filosofia da PUC Minas e do Instituto São Tomás de Aquino (ISTA).


Imagem de destaque: Gerd Altmann / Pixabay

 

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