A difícil tarefa de ser pai / mãe em tempos de consumo – exclusivo

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

As teorias que versam sobre a categoria identidade, em suas matizes contemporâneas, são convergentes ao tratá-la numa perspectiva processual, ou seja, a identidade estaria sempre em movimento. Nesse sentindo é possível dar conta de como a identidade de ser pai e ser mãe varia de acordo com as condições humanas, sobretudo levando-se em consideração as dimensões do tempo, do espaço e das contingências.

É possível ainda abarcar as várias possibilidades de ser pai e ser mãe, no sentido de contemplar uma pluralidade de possibilidade dessa identidade. O que, entretanto, vai ser imprescindível para compreender os desafios desses pais e mães é conhecer, justamente, suas condições. Nesse sentido, podemos interrogar quais seriam as principais marcas dessas condições para chegarmos a entender o que tem desafiado os responsáveis da educação de crianças e jovens.

Hannah Arendt, em seu livro “A Condição de Humana”, aponta para o fato do quanto a vida privada (e da propriedade) se tornou um interesse público e o quanto o labor (as obrigações voltados para a sobrevivência) substituiu o trabalho (realização e possibilidade de transformação de si e do mundo). Em outros termos, isso significa também dizer, a partir da obra de Arendt, de que nos tornarmos praticamente escravos de uma sociedade voltada para a produção e consumo, não trazendo realizações significativas para a existência. De maneira próxima, Zygmunt Bauman segue uma linha de análise onde destaca a “liquidez” do mundo contemporâneo, no sentido de explicitar o quanto a aceleração do ciclo produtivo – consumidor nos torna voláteis em tudo, inclusive em termos de experiências – vivências. Em suma, só para apresentar dois importantes pensadores atuais que caracterizam algumas das condições da existência humana.

Sem sombra de dúvidas, vivemos um espaço, um tempo e contingências marcadas pelo consumo e para a sobrevivência (obviamente, para manter o próprio consumo). Quais as consequências disso no ser pai e ser mãe? Como estes têm educado seus filhos nesse mundo? Como a escola tem dialogado e também lidado com isso tudo?

A questão é que terminamos por tratar nossos filhos como clientes e isso tem um custo, mas não só do ponto de vista econômico, mas sim emocional. As crianças e adolescentes são tratadas como clientes e, assim, não podem ser contrariadas, porque “sempre tem razão”. Há, como diz Sergio Sinay (“Sociedade dos Filhos Órfãos), uma grande dificuldade dos pais contrariarem seus filhos e, nesse sentido, significa dizer que os mesmos têm dificuldades de dar limites. Isso porque se sentem culpados por passarem uma boa parte do tempo ausentes ou mesmo porque não querem ter o trabalho ou o ônus de contrariarem os seus. Certamente há consequências complexas para a educação. Em primeiro lugar, significa que as crianças e jovens não teriam as “bordas” necessárias para testarem seus limites e, por outro lado, atenderiam aos interesses das marcas do mundo, pois estariam mais propensos a voracidade de consumir (porque sem limites).

Um desdobramento dessa marca de desmesura é justamente a abreviação de uma moral e mesmo de uma ética coletiva e, consequentemente, da empatia. Em contrapartida, crianças e jovens estariam mais propensos a uma vida predatória, do resultado, do aumento do poder de consumo, mesmo que isso signifique a ultrapassagem de alguns princípios éticos. Estes comportamentos, por sua vez, não são construídos tardiamente. Ao contrário! É fácil constatar que, uma das mais renitentes queixas escolares é justamente a falta de limites dos alunos. Isto faz com que as escolas estabeleçam uma verdadeira tensão com as famílias para demandar que estas possam cumprir sua tarefa e deixar para a escola a missão de escolarizar. Acontece que esta missão da escola nem sempre foi assim, ao contrário. Desde tempos pregressos a escola foi responsável pela sociabilização e mesmo a “educação de base” de crianças e jovens (vide a obra de Philippe Ariès). Portanto, parece que as escolas estariam esquecendo desse papel. Como vem dizendo Ives de La Taille, é também papel da escola dividir a responsabilidade por uma educação moral.

Essa marca da atualidade que se traduz pela formação de sujeitos consumistas e, consequentemente, por pais permissivos e de pouca autoridade para dar limites ao filhos no sentido de saber lidar com as demandas da vida, vai se traduzir, dentre outras possibilidades, numa relação balizada pela falta de limites.

Aliado a isso, via de regra, os pais se sentem culpados por estarem ausentes ou por se sentirem incompetentes para educar os filhos e tentam “comprar” suas “faltas” suprindo os pequenos com mimos, que podem variar entre objetos / presentes a coisas comidas / guloseimas.

O aparentemente contraditório e que, aliado a essa permissividade que predomina na educação dos nossos filhos, há também o padrão de negligência. Muitas vezes a permissividade como um tipo de relação que seria a demasiada atenção desregrada dispensada ao filho, pode também conduzir ou mesmo disfarçar aquilo que vem a ser a negligência, ou seja, o outro (filho) seria um estorvo, um peso, ou mesmo um detalhe na vida dos responsáveis. Esse padrão tem sido apontado como uma das mais danosas para o desenvolvimento das crianças.

Todas essas questões precisam ser consideradas e encaradas de frente para que haja, minimamente, alguma possibilidade de enfrentamento e, quiçá, de transformações dessas marcas. Com certeza não é algo que diga respeito apenas a educação dos pais, ou da escola, mas certamente sem estes não há como dar os primeiros passos.

Marcelo Silva de Souza Ribeiro – Universidade do Vale do São Francisco

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