À cavalo: impressões litográficas do 7 de setembro em uma Revista Ilustrada

Gisele Teixeira Alves*

Muito curiosa é a história de Johann Aloys Senefelder, um dramaturgo nascido em Praga, que devido ao seu desejo de duplicar e imprimir seus roteiros de teatro, acabou por descobrir sem querer um novo processo de impressão, a Litografia ou Litogravura. A técnica chega ao Brasil através do pioneirismo de Arnauld Julian Pallière e, em 1819, os jornais cariocas já publicavam anúncios referentes ao processo, fazendo surgir uma cultura visual muito forte no comércio de impressos. O cotidiano da sociedade brasileira, seus costumes, as questões sociais e políticas eram os principais temas abordados.

Em 1876 surgiu a Revista Ilustrada, considerada a mais emblemática publicação ilustrada de sua época. Este era, sem dúvida, um empreendimento bastante caro.  Mesmo com as impressões mais facilitadas pela difusão da técnica de litogravura, o jornal que não continha imagens saía bem mais barato do que aquele que apresentava publicação ilustrada. No entanto, mesmo tendo um número de exemplares menor, as revistas ilustradas vendidas, certamente alcançavam um número bem maior de leitores visto que, as imagens tinham um grande potencial de comunicação, alcançando inclusive o público não letrado que, agora, poderia “ler” as imagens e ter acesso às críticas e discussões apresentadas nas páginas da revista.

A Revista Ilustrada circulava por todo o país à frente de campanhas nacionais, fazendo fortes críticas sociais e políticas. Criada pelo caricaturista italiano Angelo Agostini, que não mediu esforços para fazer aparecer o tema da Independência do Brasil. Até 1898, quando parou de ser publicada, apareciam em suas páginas duas temáticas com grande recorrência: abolição e independência, interligadas quase sempre. 

A estátua equestre de dom Pedro I (1798-1834), considerada a primeira escultura pública do Brasil, inaugurada na praça da Constituição em 1862, nos quarenta anos da emancipação, foi alvo de duras críticas no periódico.

Texto do Rodapé: “O Paiz: – Neste dia memoravel e Solemne, nest…

P. I – Muito bem… Mas dispenso o discurso. Como vae você com a independencia?

O Governo – Diga: bem, muito obrigado.

O Paiz – Bem, muito obrigado.

Coitado! Julga-se independente, e está mais escravisado do que nunca ao poder mais funesto que impera no Brazil ” 
Fonte: Revista Illustrada, 07/09/1878. Acervo Biblioteca Nacional.

No rodapé, vemos um texto que complementa a imagem onde acontece um diálogo entre D. Pedro I com o País representado na imagem por um índio. O Governo, representado pelo ministro que está escondido “atrás do país”, é quem dá a “cola” daquilo que deve ser respondido a D. Pedro. Ao final, conclui que o país é um coitado, pois pensa ser independente quando na verdade está escravizado pelo poder. 

Em Setembro de 1880, veremos novamente uma versão da estátua, agora em uma imagem impactante, na qual um homem branco empunhando um chicote na mão (no lugar do manifesto às nações presente na estátua de D. Pedro I), montado em um homem negro preso a grilhões e, no pedestal, onde na estátua original vemos a figura de vários índios e animais representando as quatro alegorias dos rios brasileiros, veremos na versão do jornal, os índios cabisbaixos. No pedestal se lê a frase “Escravidão ou Morte“. Na nota de rodapé, o artista esclarece que se trata de um projeto de uma estátua equestre para o chefe do partido liberal que deve fazer par com a estátua equestre de D. Pedro I.

Texto do Rodapé: “Projecto de uma estatua equestre para o ilustre chefe do partido liberal. Esta estátua deve fazer pendant com a de Pedro I e será collocada no dia 7 de setembro de 1881. A iniciativa dos ilustres fazendeiros de cebolas e que devemos mais esse monumento das nossas glórias. ”  

Fonte: Revista Illustrada, 04/09/1880. Acervo Biblioteca Nacional.

Satirizando o exagero da queima de fogos realizada durante as comemorações da Independência em 1881, o impresso representa D. Pedro I, os índios e animais (presentes na escultura equestre original) fugindo da faísca dos fogos:

Texto do Rodapé: “A brava gente não tendo até hoje achado outro modo de manifestar o seu entusiasmo senão por meio de foguetes, o bronseo monumento da independencia e todo o seu sequito, acabarão um dia por escamar-se deveras”  

Fonte: Revista Illustrada, 10/09/1881. Acervo Biblioteca Nacional.

Em outras edições de 1881, a estátua equestre, já com seus quase 20 anos de instalação, ainda reaparecia constantemente na revista, também para tecer críticas à monarquia e exaltar a república. Em setembro do ano seguinte, em 1882, a ilustração traz agora o filho, D. Pedro II, como alguém mais interessado nos estudos científicos do que no Estado. Ele aparece, retratado pelo artista, segurando uma luneta para observar Vênus, com um rolo de papel e um livro embaixo do braço, sentado em cima de uma lesma que representa a constituição. 

No monumento original, as armas bragantinas aparecem vigiadas por dois dragões dourados que nesta versão são substituídos por dois bichos-preguiças. No lugar dos índios, veremos os políticos que encontram-se dormindo sentados em cima de uma enorme tartaruga que representa o parlamento. Na base do pedestal leremos: “Aqui repousa o progresso político e social do império. Povo, orae por elle!”. 

Texto do Rodapé: “O estado moral do nosso paiz pede quanto antes a execução desse monumento cujo projecto apresentamos”.

Fonte: Revista Illustrada, 02/09/1882. Acervo Biblioteca Nacional. 

Tudo parecia representar lentidão, uma crítica ao Estado brasileiro e à vagarosidade na implementação das reformas necessárias para o progresso político e social do Império. A Revista Ilustrada propôs em suas páginas, textos e imagens complexos, fazendo críticas importantes. O que gostaria de destacar, e que certamente não é difícil perceber, é que, pautada por um projeto de civilização, a sua ambição pedagógica e política era dar luz às problemáticas sociais com uma linguagem artística e humorada. Suas imagens litográficas constituem um registro importante para nos ajudar a compreender melhor o 7 de setembro e as diversas memórias forjadas a seu respeito, não apenas as laudatórias, essas já tão conhecidas por intermédio dos livros didáticos.

*Mestranda em Educação UERJ. Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *