A aula perfeita: os métodos de ensino nas escolas paulistas

Laís Olivato*

Não é novidade que a pandemia fez com que todos os professores tivessem um ano bastante atípico. Em São Paulo, no mês de abril de 2020, a Secretaria de Educação orientou que os 4 milhões de alunos do estado e os 190 mil professores baixassem o aplicativo “Centro de Mídias SP” (CMSP) para a retomada virtual das aulas interrompidas no mês de março. O objetivo era assegurar o cumprimento do calendário escolar e, como consequência desse processo, surgiu expectativa de que os professores “reinventassem” o ensino.

Mas, de que é feita uma boa aula? Essa pergunta, corriqueira nos ambientes de ensino, ecoa na fala de todos aqueles que lecionam, já lecionaram ou pretendem lecionar. Além disso, é tema de debate entre os próprios alunos que criam preferências entre disciplinas ou professores. Mas, se uma boa aula para muitos, em 2020, é supostamente aquela que integra bem os recursos tecnológicos, o conhecimento do professor e a interação dos alunos, é fato que nem sempre foi assim.

Vale lembrar que em 1649 o pensador tcheco Comenius publicou o livro Didática Magna, ou Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos, que inaugurou os debates sobre métodos de ensino. Na América portuguesa, a didática foi pauta de discussão entre os religiosos que cuidavam dos estabelecimentos educativos. No final do século XVIII, o estado pombalino foi responsável por uma série de reformas que deslocou pouco a pouca a responsabilidade da educação da Igreja.

Já na história do Brasil independente, as discussões sobre métodos de ensino guiaram os debates políticos-educacionais, principalmente na esfera estatal, desde 1822. Após a Independência do Brasil, os congressistas aprovaram em 1827 a lei de ensino, que defendia a aplicação do método de ensino mútuo em todas as localidades populosas do país.

As aulas mútuas foram consideradas no início do século XIX uma inovação trazida pela Independência, um símbolo da modernidade. As notícias sobre o sucesso do ensino mútuo estavam nos periódicos e nas traduções de manuais de ensino europeus. Em teoria, a aplicação do método por apenas um professor garantiria que centenas de alunos aprendessem a ler, escrever e contar em poucos meses. Essa era justamente a fórmula pedagógica que as localidades com poucos recursos financeiros precisavam naquele momento.

Segundo os manuais de ensino da época, as salas de aula amplas deveriam conter bancos de madeira, caixas de areia, lousas de ardósia, semicírculos, papéis, lápis, cartas de lições, entre outros materiais. Os estudantes mais adiantados eram monitores, condecorados com medalhas e/ou outros prêmios, encarregados de ensinar os menos adiantados. A disciplina era regida por um complexo sistema de prêmios e castigos que hierarquizava os estudantes sem, contudo, utilizar a famigerada palmatória ou qualquer outra punição física.

Em São Paulo, não foi diferente. A capital do estado e as cidades mais povoadas tiveram aulas mútuas até o final da década de 1830. A documentação disponível no Arquivo Público de São Paulo (APESP) e no Arquivo Público Municipal de São Paulo (APMSP), no entanto, faz saltar aos olhos do leitor contemporâneo as queixas dos docentes quanto a esse método de ensino. Faltava material pedagógico, o espaço físico para as aulas era restrito e, sobretudo, não havia apoio público. Os salários docentes eram baixos para a época e a profissão bastante desvalorizada. As salas de aula eram lotadas. Na Freguesia da Sé, por exemplo, apenas um professor atendia 179 alunos. Outros informavam que ensinavam estudantes gratuitamente, pois não recebiam o salário. Além disso, havia muita queixa que o método mútuo deixava também a desejar quanto à questão disciplinar e os pais frequentemente invadiam as salas de aula para aplicar castigos físicos em seus filhos. Na prática, os professores mesclavam o uso do método de ensino mútuo com outros métodos da época, como o simultâneo e o individual.

Cem anos depois, no Centenário da Independência, em 1922, em São Paulo os debates sobre os métodos de ensino, especialmente com a entrada do método intuitivo, continuaram a ocupar as páginas dos periódicos para professores. A cidade foi sede da fundação da Sociedade de Educação, composta por professores e intelectuais de seu tempo, Sampaio Dória, Oscar Freire, João Toledo, entre outros, que defendia o “método analítico no ensino de leitura”. Entusiastas desse sistema, defendiam a partir da Psicologia a experiência do estudante em detrimento da mera memorização presente no “método sintético”. O debate se inseria na entrada das metodologias ativas de ensino para a sala de aula e, os especialistas, aconselhavam os professores a se instruírem para usá-lo corretamente.

Mas, os descompassos entre o projeto educacional e as demandas docentes foram frequentes. As queixas dos professores recaíam sobre a “morosidade” da metodologia, o que aumentou ainda mais a investida dos intelectuais em publicações e programas de formação em prol da “missão do professor paulista”, que era, sobretudo, ser inovador.

Em 2020, a expressão “reinventar a sala de aula” esteve nas discussões das redes sociais, estampou jornais impressos e gerou debates televisivos não apenas em São Paulo, mas em todo o Brasil e, também, no mundo todo. Ela nos leva a pensar de que é feita uma boa aula? Por que a exigência de que os professores apliquem técnicas de ensino universais é tão grande? Às vésperas do Bicentenário da Independência do Brasil, notebooks e celulares foram os protagonistas da vez. Aula híbrida, ensino remoto, sala de aula invertida, professor curador, aula síncrona/assíncrona começaram a fazer parte do vocabulário de especialistas ou não da área de ensino. A casa do professor se tornou um espaço frequentemente visitado pelos alunos por meio da webcam. Mais do que isso, pais, mães, tios, tias, avós, irmãos, cachorros, gatos e periquitos também assistiram às aulas e exigiram que elas fossem espetaculares e renovassem o ensino.

*Doutora em História Social – USP.


Imagem de destaquem: Gravura “Une école d’enseignement mutuel”, Dambour et Gangel à Metz 1830.

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