Pedagogias do afeto: o amor como agência educativa
Thais Ferreira Dutra
De todas as intervenções que realizo com as crianças pequenas, as mais efetivas são, de longe, aquelas em que sirvo a elas afeto.
Certa vez, um menino estava apresentando um comportamento desafiador em sala de aula. Corria descalço entre as mesas, batendo nos móveis e gerando incômodo nos colegas. Fui chamada para intervir e ao levá-lo para sala da coordenação, ele se sentou no chão, no cantinho da sala — e ali ficou, em silêncio, por alguns minutos.
Eu disse que daria um tempo para que ele se acalmasse, que estaria ao seu lado, e que quando quisesse, poderíamos conversar. Sentei no chão, ao lado dele. Perguntar o motivo da sua agitação não funcionava, dizer que ele precisava conversar para resolvermos a situação, também não adiantava. O silêncio permanecia. Ele não parecia querer qualquer diálogo.
Então, mudei a pergunta: quis saber o que ele queria naquele momento. E a resposta veio direta: “ir para casa”. Perguntei, então, o que ele faria em casa, qual era seu brinquedo favorito, qual era o seu cantinho preferido por lá. Ele respondeu a tudo. Depois de alguns minutos, voltou ao silêncio.
Eu disse que precisávamos voltar para a sala de aula e então ele pulou no meu colo, buscando aconchego. Teve dificuldades para se ajeitar no meu colo, uma vez que ele é um “menino grande”, está em seu último ano na Educação Infantil, mas eu o abracei por inteiro. Ficamos ali por alguns minutos, em total silêncio. Depois, ele se levantou sozinho e já calmo, disse que voltaria para a sala.
Essa cena, embora simples, me ajuda a compreender o que bell hooks nos ensina em Irmãs do Inhame, quando afirma que o amor é uma força capaz de criar vínculos, reconstruir sentidos e promover cura. Para Hooks, amar é um ato de resistência em contextos marcados por dor, isolamento e violência — uma prática política que se manifesta na escuta, na presença e no acolhimento.
Embora em seu livro Bell discorra sobre amor entre mulheres negras, ecoa fortemente em mim o entendimento de que o amor pode ser também um gesto pedagógico radical. Uma escolha consciente, que desafia as práticas educativas baseadas no controle e na punição.
Naquele momento com a criança, minha presença silenciosa e o espaço que abri para o afeto foram mais potentes que qualquer correção verbal. Porque ali, mais do que conter um comportamento, tratava-se de sustentar um vínculo com uma criança que está vivenciando uma série de desafios que ultrapassam os muros da escola. Uma criança marcada por experiências precoces de exclusão, desamparo e institucionalização. Em contextos assim, a presença amorosa do adulto não é apenas um gesto de cuidado — é um contraponto à lógica do abandono.
Mais do que chamar atenção ou punir uma criança por “atrapalhar” a aula, naquele contexto — considerando quem ela é, sua trajetória e suas condições de vida —, o que mais se fazia necessário era acolher. Acolher como um gesto político. Para essa criança a situação exigia escuta, sensibilidade e presença. Exigia colo e afeto como ferramenta de reparação e cuidado.
Tocar e dar carinho às crianças negras pequenas é devolver a elas uma história que lhes foi roubada: a do amor como direito e do corpo como lugar de afeto, não de punição. É afirmar que elas podem existir com dignidade e inteireza no mundo — e que são merecedoras do cuidado, não apenas da contenção.
Bell Hooks nos convida a ver o amor como uma forma de conhecimento. Um saber que não se ensina no quadro branco, mas sim com o corpo presente, com a escuta atenta e com a coragem de acolher o outro por inteiro. E é nesse gesto que vejo o amor se revelar como agência educativa — uma força que transforma e que emancipa.
“O amor é uma escolha — a mais poderosa, a mais libertadora, a mais radical que podemos fazer.”
Bell Hooks, Irmãs do Inhame