Para quê etiqueta?

Jacqueline Caixeta

Trabalhar com a primeira infância é um grande desafio, pois é nesta fase que tudo brota e brota de maneira surpreendente. O desenvolvimento da criança transita entre suas descobertas e seus avanços em todos os sentidos. É aqui, bem no canteiro da vida, que tudo surge. Chamo a infância de canteiro porque é exatamente isso, um grande canteiro onde tudo que se planta, floresce. E quando não floresce, sabemos que algo precisa ser descoberto.

Nos primeiros anos de vida, um bom e atento observador percebe quando algo que era para acontecer não acontece e aí, bem, aí o desafio de descobrir o que está acontecendo depende de pais atentos e profissionais competentes.

Quando uma criança não demonstra seu desenvolvimento dentro do esperado para sua faixa etária, começamos um processo de busca, muitas vezes carregado de perguntas erradas que podem nos levar a diagnósticos errados. O fato de ter gente competente por perto faz uma enorme diferença.

Começar fazendo as perguntas certas e buscar respostas que quase sempre vão desagradar pais é o caminho para entender o que está acontecendo com a criança. O caminho pode ser longo, algumas síndromes ou condições específicas do desenvolvimento neural exigem investigação de especialista em genética, neurologistas, fonoaudiólogos, psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos, pediatras, enfim, uma caminhada árdua atrás de respostas para as perguntas.

O que muito me incomoda é que, muitas vezes, por medo da verdade ou negação da realidade, algumas famílias retardam o processo que é muito mais importante do que o diagnóstico, que é o início de estimulações. Se uma criança não está dentro do esperado para sua faixa etária e isso já foi observado por professores e pais, por que esperar por um diagnóstico? O ideal é começar já, de imediato, um trabalho que busque ajudar a essa criança a vencer seus limites. 

O diagnóstico é super importante, não quero negar isso de forma alguma, mas ficar esperando por bateria de exames, de observações que podem durar de seis meses a um ano, para começar o que todos já sabem que devem começar, é dizer que  precisamos de uma “etiqueta” para colocar naquela criança e, a partir daí, iniciar o trabalho de ajuda e superação de seus limites, sejam cognitivos, sociais, motores, verbais. Enfim, esperar etiquetar para trabalhar não é a melhor opção. Muitos casos precisam de intervenções rápidas e a escola, com profissionais competentes e atentos, sabe bem disso. Ter o diagnóstico vai ajudar muito a traçar o caminho, no entanto, a caminhada pode acontecer antes, com pequenas estratégias que vão ajudar no desenvolvimento da criança.

Criança não é objeto que precisa ser etiquetado para ser comercializado! Infelizmente, muitos pais esperam por essa “etiqueta” para buscar tratamento, mesmo tendo ciência de que seus filhos precisam de estímulos básicos e estratégias comuns para caminharem. Outras vezes, a necessidade de ter um laudo nem sempre é para buscar tratamento adequado, mas para justificar comportamentos que podem e devem ser trabalhados pela família, independente de qualquer laudo. 

Em muitos casos, principalmente em famílias que dependem do SUS, onde sabemos que a demanda é imensa e as consultas e exames demoram mais tempo, a estimulação vai determinar muito melhores condições para a criança. Essas famílias não têm muito tempo para esperarem pelo setor público da saúde, e é aí que a escola entra, com seus profissionais a orientar e direcionar ações cotidianas que podem ajudar e muito em todo o processo de conquistas e avanços.

Trabalhando com educação, já vivenciei casos em que, infelizmente, os diagnósticos não serviram para mais nada além de etiquetar aquela criança e dizer de sua incapacidade. É triste, mas real, algumas famílias usam o diagnóstico apenas para se garantirem de direitos garantidos pela lei para que seus filhos não sejam reprovados, por exemplo, para que tenham situações diferenciadas que vão apenas lhes favorecer em algo que poderiam lutar e conquistar muito mais do que o direito legal. É triste presenciar uma família brigando pelos direitos dos filhos quando querem esses direitos apenas para o próprio conforto. Não pensam em desafiar os filhos, em lhes permitir que vivenciem situações que podem estimulá-los e fazer com que cresçam em todos os sentidos.

Que bom que existe uma lei para garantir direitos às pessoas com algum tipo de deficiência e, que pena, que muitos pais só querem isso para seus filhos. A lei existe para garantir direitos, no entanto, os pais de crianças com deficiência deveriam existir para cobrar que a lei se cumpra, mas quererem muito mais para seus filhos. Deveriam querer que seus filhos desafiassem seus limites e buscassem não depender da lei para serem e viverem de maneira digna e feliz. 

Educadora, especialista em inclusão, não quero etiquetas, quero trabalho, muito trabalho para que toda e qualquer criança tenha bem mais do que  seus direitos legais, tenham a oportunidade de desafiar seus limites e ir sempre além. Aos pais, desejo que sejam corajosos e lutem com seus filhos para que tenham autonomia e independência para se virarem na vida, para brigarem na vida por muito mais do que a lei lhes garante.

Para as escolas, quero dizer que não esperem por etiquetas quando perceberem que algo não está dentro do esperado, comecem rápido todo o trabalho porque nós, escolas, podemos fazer a diferença na vida dessas crianças bem antes de qualquer diagnóstico.

Com afeto,

Jacqueline Caixeta

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