Os testes de feminilidade estão de volta?

Priscila Ribeiro
Henrique Caixeta Moreira

Você sabe o que são os testes de feminilidade? As Olimpíadas e Paralimpíadas se foram e os temidos testes de feminilidade ficaram, estes são testes gerais que servem para atestar a feminilidade de atletas mulheres.

As Olimpíadas de 1968 foram um marco do início dos testes de gênero, testes de sexo ou testes de feminilidade. As novidades farmacêuticas e o doping causaram preocupação, o que gerou um debate em relação ao gênero das atletas.

Inicialmente, apenas as atletas com cromossomos XX ganhavam autorização para participar dos jogos, (o que foi chamado de Carteira Rosa). Havia um grande medo das mulheres de falhar no teste e serem consideradas homens uma vez que há diversas mulheres que não tem apenas os cromossomos XX ou mesmo se adequam a essa conformação. Com o tempo, os testes foram sendo questionados e perdendo a credibilidade, contudo, apesar de ser uma prática notadamente desatualizada, os testes de feminilidade têm ganhado cada vez mais apoiadores.

Essa confusão se dá por um equívoco das aulas de biologia básica, que associam mulheres ao par XX e os homens ao par XY, o que fica de fora é que essa conformação não é uma regra. Podemos dizer que geralmente, as mulheres nascem com um par de cromossomos XX e os homens com cromossomos XY. Contudo, alguns homens nascem com XX e algumas mulheres com XY, há também pessoas com cromossomos XXY ou XYY entre outros, explica a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os testes de feminilidade surgem no esporte para marcar uma suposta igualdade entre as atletas. Assumindo que sua competência esportiva estaria diretamente relacionada à genes ou características masculinas. Essa prática dura até hoje através de testes hormonais que buscariam evitar o dopping mas acabam por excluir mulheres cis que produzem naturalmente quantidades maiores de hormônio e mulheres trans. Outro perigo é a realização do próprio teste e sua divulgação que pode causar danos morais e provocar ira sobre atletas que apenas querem disputar seus respectivos esportes.

Dois exemplos são os casos da corredora sul-africana Caster Semenya e da boxeadora argelina Imane Khelif, medalha de ouro nas olimpíadas de Paris. Ambas produzem, de maneira natural, um excesso de testosterona, o que as desqualificou para suas determinadas competições. A Federação Internacional de Atletismo exige níveis de testosterona mais baixos do que o apresentado por Caster e, por isso, injustamente a impede de competir sem um tratamento que abaixe, de maneira sintética, os níveis do hormônio. Já o caso da Federação Internacional de Boxe e Imane é mais complexo. A federação já foi denunciada diversas vezes por corrupção e foi inclusive excluída do movimento olímpico, porém insiste – sem comprovar ou demonstrar os testes utilizados – que Imane é um homem cis, com isso, Imane vem sofrendo diversos ataques nas redes sociais. 

Podemos apontar como a transfobia se apresenta como um fator central nessa situação. Assume-se que mulheres trans, por produzirem mais testosterona, teriam vantagens sobre mulheres cis em seus respectivos esportes. Contudo, na prática a coisa não funciona assim. A primeira vez que um atleta transgênero competiu nos Jogos Olímpicos foi em Tóquio, 2020. A halterofilista neozelandesa Laurel Hubbard participou do levantamento de peso, na categoria de +87 kg, e ficou em último lugar. Apesar de isso ter sido uma grande conquista para a comunidade LGBTQIAPN+, sua estreia gerou debates, o que levou a uma grande pressão popular para aumentar a regulamentação da participação de atletas trans.  A partir disso, o Comitê Olímpico Internacional (COI) delegou a tarefa de decisão dessas participações para cada federação.

Essa busca por um esporte excludente vem afetando populações LGBTQIA+ mas vem afetando também mulheres cis como Imane e Caster. A situação fica ainda mais perigosa nos esportes escolares e universitários. Um exemplo claro disso foi a lei aprovada nos Estados Unidos, que proíbe crianças trans de participarem de esportes nas escolas. Em decisões absurdas, 20 estados americanos conseguiram proibir a participação de pessoas trans nas competições escolares. Em estados como Kentucky e Dakota do Sul existe até mesmo a possibilidade da checagem das genitais das crianças, o que é uma grande violação de seus direitos.

Os teste de gênero são costumes machistas que, além de não considerar as diversidade hormonais e biológicas que existem – e que a ciência já avançou em explicar – continua a forçar mulheres a passar por humilhações. É inaceitável que no ano de 2024 ocorra tamanha violação de direitos e que atletas que treinaram suas vidas inteiras sejam impedidas de competir por causa de práticas que foram questionadas em 1968.

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