O que os livros não ensinam
Jacqueline Caixeta
Ainda em pleno século XXI, escuto pais reclamando de eventos em escolas que “não são pedagógicos” e “atrapalham” seus filhos, tão focados no estudo. A crítica vem nesta época do ano em que muitas aulas são substituídas por ensaios de quadrilhas, por exemplo. Temos também momentos de jogos esportivos, festas e fechamentos de projetos, que demandam que alunos saiam das salas para ensaios e organizações. Enfim, quando se tira um aluno de sala, a impressão que, infelizmente, muitos pais têm, é de que estão perdendo aula.
Bom, aí eu pergunto: estão perdendo tempo de um determinado conteúdo, mas e o que estão aprendendo? Não conta?
Será que só os livros têm o que ensinar para crianças e adolescentes?
Em tempos que o conhecimento cabe na palma da mão de qualquer um, o que se vê em livros pode ser acessado, a qualquer hora e local, basta um clic no celular. Então, os saberes que cabem nas páginas dos livros e nas aulas dos professores estão ao alcance de todos o tempo todo, e não vai ser uma ou outra aula que vai impedir que tenham o conhecimento. Por isso confirmo, com toda a certeza do mundo, que as saídas para ensaios, apresentações, jogos, etc, ensinam muitos saberes que, nem sempre, estão dentro dos livros, e isso é muito rico.
A escola precisa pensar além de seus muros, é urgente que façamos com que nossos alunos ultrapassem os saberes acadêmicos, que estão tão bem colocados dentro dos livros, e descubram infinitas possibilidades de se aprender. Desenvolver competências e habilidades para a vida é tarefa que saltam as páginas dos livros didáticos. Não quero dizer que os livros e todos os conteúdos, tão bem selecionados para cada faixa etária, não sejam importantes, quero apenas que pais tirem as viseiras em relação ao aprendizado e à escola, que consigam enxergar o mundo de oportunidades que atividades fora da sala de aula trazem para seus filhos.
Já está claro que o mundo é coletivo, que as pessoas precisam ter habilidades como empatia, resiliência e inteligência emocional. Isso é fato e pronto. Agora, será que alguém vai desenvolver tais habilidades e adquirir tais competências preso às páginas do livro didático apenas?
Quando se tira uma turma de sala para um ensaio, sejam crianças ou adolescentes, estamos dizendo a eles que o mundo é bem mais do que um conteúdo, estamos proporcionando que eles tenham autonomia, disciplina, criatividade, senso de justiça, noção de coletivo e tantos outros aprendizados que podem até ser bem mais importantes para a vida adulta deles do que o simples conhecimento acadêmico.
Assistir uma dança em que a coreografia foi toda montada por alunos, e ao montar a coreografia eles tiveram que discutir muito, argumentar, contra argumentar, defender opiniões, criticar, serem resilientes e pacientes com os erros que surgiram no caminho, pensar na música, letra e dança dentro de um contexto histórico e geográfico, isso diz muito mais de aprendizado do que qualquer aula formal.
Os jogos estudantis são verdadeiros laboratórios para se viver, na prática, valores como respeito e fraternidade. Saber que o potencial esportivo de seu colega é diferente do seu e ter que lidar com a frustração da perda por isso, é uma das tarefas mais difíceis quando se é criança. Ensinar a um adolescente sobre empatia, solidariedade, respeito e justiça em um único jogo, é uma sacada de mestre, poucos livros conseguem isso!
A escola precisa ser espaço para aprendizados que vão além dos determinados pelos livros que seguem os lindos currículos elaborados, muitas vezes, por teóricos que nunca pisaram em uma sala de aula. Precisamos deixar claro que eventos, festas, jogos, apresentações artísticas, são excelentes e necessários momentos de aprendizado. Um aprendizado que, sem dúvida alguma, vai ser o diferencial desses meninos no mercado de trabalho.
Quem passar por uma escola que não vive situações extraclasse, não vai saber lidar com um mercado de trabalho que exige muito mais do que o conhecimento acadêmico, que exige criatividade, inteligência emocional, senso de coletividade e fraternidade. O mundo não é mais dos gênios que tiram totais em provas, o mundo é dos que sabem o que fazer e como fazer com o que aprenderam na escola, dentro e fora dos livros.
A tal falada inteligência emocional é construída em situações desafiadoras, esportivas, artísticas e que provocam os alunos a pensarem no outro, fazem com que eles se frustrem e superem isso com enfrentamento de quem não desiste no primeiro tombo.
Bora pensar numa escola que possa dar mais, muito mais do que os livros oferecem.
Com afeto,
Jacqueline Caixeta