Metendo o bedelho
Não adianta, quando vejo, lá estou eu, indo além da conta, me atrevendo a dar palpites que não me pediram, ousando em querer mais, bem mais, para quem não quer é nada.
Alguns podem achar que isso é uma característica de alguém que está na educação há muito tempo e acha que sabe tudo e quer se intrometer em tudo, mas sempre fui assim. Nunca dei conta de ficar quieta. Jamais me dei por satisfeita em ficar em um lugar comum, fazendo apenas a minha função. É impressionante como que o senso comum me tira do sério, como que agir dentro de limites de situações, me irrita. Sempre fui o tipo de educadora que, quando via, já estava dando meus “pitacos” além da conta.
Não consigo ficar de boca fechada quando, por exemplo, vejo uma criança presa em uma tela enquanto os pais se divertem. Não me seguro quando presencio uma situação em que pais estão apenas de corpo presente na vida dos filhos. Fico imaginando quanto tempo estão perdendo quando não se entregam a delícia que é brincar com uma criança e perceber sua evolução, seu crescimento intelectual, físico. Ah se eles soubessem que passa tão rápido…
Quando escuto de um professor que seus alunos não querem nada com nada e por isso ele faz o básico e pronto, tá ótimo. Não, não tá ótimo, não. Se nós, professores, desistirmos junto com eles, o que será deles? Aí escuto: “O que será deles é problema deles e dos pais deles que estão criando-os assim, sem interesse em nada.” Entendo o quanto a exercício do magistério está desgastado com essa sociedade hipócrita, comodista e individualista, mas ainda acredito no poder de transformação da educação e lá vou eu bater boca e discutir, tentando convencer meu colega a não desistir da nossa força enquanto educadores.
Sempre quando entro em uma sala de aula ou em algum encontro com adolescentes através de palestras, falo até babar. Costumo brincar que vou além da minha obrigação. Que vou incomodar e tentar tirá-los do lugar comum, que quero que eles se irritem muito com meu falatório e questionem as minhas verdades, que não quero só xingar, quero xingar muito e fazer com que fiquem com muita raiva de mim a ponto de se desafiarem a me surpreender com outras atitudes. Ah, quem me dera que eles tivessem a maturidade para entender que tudo o que quero é que eles saiam do comodismo de seus quartos, da idiotice de seus “influencers”, do imediatismo que ficaram acostumados quando clicam e tudo chega rápido. Como eu quero que eles se preocupem com as guerras que estão acontecendo, com a fome e desigualdade que existe em seu país, com o clima, com valores como respeito, fraternidade, com a economia, mercado de trabalho, enfim, que eles aprendam a olhar além de seus próprios umbigos.
Ah, tenho certeza de que vou além, sempre vou além. Encontro críticas, sim, muitas. Me deparo com oposições? Milhares. Mas ainda sigo crendo que eu não posso aceitar que aquele aluno só é problema meu enquanto estiver sob meus cuidados. Eu preciso acreditar que ele será, para sempre, uma semente minha jogada por aí. Que ele será o profissional que vai me atender quando estiver velhinha e eu preciso prepará-lo bem para um mundo que será mais dele do que meu. O futuro precisa, urgentemente, de pessoas melhores, mais competentes e solidárias, mais criativas e coletivas. O mundo que está sendo construído agora, com nossas mãos de educadores, se não ousarmos ir além do simples ofício de ensinar conteúdos para passarem em provas, estaremos fadados ao fracasso e levando uma sociedade inteira a falência.
Acreditar que, quando chamamos a atenção de um aluno para que ele perceba que precisa querer mais para si, é saber da nossa responsabilidade social com um mundo melhor. Sonho? Utopia? Sim, ambos, mas se não for o educador a sonhar e querer transformar, quem será?
Pobre do professor que não tenta tirar seu aluno do lugar comum e o instigar a ir e querer mais, bem mais do que tirar boas notas e passar de ano. Ensinar conteúdos já não é mais exclusividade de educadores, a internet faz isso e, algumas vezes, bem melhor que nós. Precisamos aproveitar todos os momentos para que nossos alunos construam e vivenciem práticas mais libertadoras e humanas enquanto aprendizes de uma vida que continua sendo desenhada por eles.
Estou falando em doutrinar alunos? Não, isso não me interessa. Até mesmo porque, se eu trabalhar direitinho, ninguém, nem mesmo eu, conseguirá doutriná-lo a nada, ele será capaz de analisar, refletir, criar e produzir seus conhecimentos e convicções livremente.
Com afeto,
Jacqueline Caixeta
Excelente! Ameiiiiiiii ler parece que estava ouvindo você falar através da grafia. Parabéns…